9º.☪

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A fragrância forte me acorda de uma noite estranhamente tranquila. Acho que nunca dormir tão profundamente quanto ontem, e ao abrir os olhos, a tranquilidade fugiu de meu corpo tão rápida quanto eu fechava e abria minhas pálpebras, com as órbitas arregaladas.

Salto da cama instintivamente, acabando por me espatifar contra o chão. O pior não é estar jogada no chão do quarto de Harry, a pior parte é que lembro claramente da cena em que eu retiro a calça de Amber por estar tão apertada. Aí está a pior parte: estar no chão do quarto do namorado de minha irmã, apenas com uma blusa que não chega a cobrir a zona sul de minha estrutura. 

Deslizo cautelosamente pelo chão, fazendo movimentos silenciosos para não acordar Harry. A calça preta está está próxima da porta, e me arrasto cada vez mais rápido, não ousando olhar para cama com medo que em alguma ação eu acabe acordando ele. Longe o suficiente da cama, e bastante próxima de minha calça, estico minha mão tentando alcançar o tecido. Quando consigo pega-lo, o gritinho fino de comemoração escapou de meus lábios que logo os crispei.

Não tenho coragem para erguer a cabeça e observar a cama. Na minha imaginação Harry tem um sono pesado, que nem mesmo muita zoada seria capaz de acorda-lo, porém, na minha imaginação, não existe maldade ou diferenças sociais, o que me traz de volta à realidade. E na minha realidade, a voz de Harry é o bastante para me trazer de volta ao meu triste mundo.

— Acho que bebi demais — assume ele. Pela sua voz mais rouca, e a forma que suas palavras soaram lentas, sinto que ele está mais dormindo do que acordado. No entanto ainda me recuso a virar meu rosto.

Ouço o somos de seu bocejo, e logo em seguida sua risada. Ele diz:

– Posso jurar que vi a irmã de Amber se arrastar pelo chão de meu quarto.

Choramigo baixinho, afundando meu rosto dentro da calça, rendi a vergonha. Eu podia estar em minha casa, levantando com o intuito de ir para minha escola, mas tudo isso é porquê tomei decisões erradas. Decisões erradas trazem consequências ruins e vergonhosamente constrangedoras.

— Diz que é um pesadelo! — me lastimo, fechando meus olhos com força, na espera que quando eles abram, eu esteja em meu quarto.

— Acho que tem que se arrumar para ir a escola — a voz de Harry soa a medida que escuto seus movimentos no quarto.

Ele sai da cama, e noto seus pés bem ao lado de meu rosto. Subo minha visão, bastante hesitante se devo fazer tal ação. Diferente de um Harry carrancudo com mal-humor por acabar de acordar, a feição que enfeitava seu rosto não demonstrara nada de ruim.

Não precisei pegar em sua mão estendida em minha direção para me levantar e tapar minha pernas com a calça. Harry nem move os olhos de meu rosto, parecendo desinteressado na minha preocupação por estar trajando pouca roupa na frente de um homem.

— Você pode usar o banheiro — ele aponta para a porta de cor branca, parecendo ainda aéreo com tudo.

Recuso-me a tentar pronunciar algo na tentativa de ser simpática. Harry não usou um tom tão amigável comigo durante anos, não é porque ele acordou de bom humor que tenho a obrigação de falar algo de maneira educada, quando o mesmo não fez nada disso por mim.

Apenas dirijo o olhar para a porta, aparentando estar segura enquanto me movo até o banheiro com a calça na mão, mas eu não queria dar a costa para Harry por dois motivos, e ambos envolviam vergonha no meio. Ele riu fraco, porém quando virei a cabeça antes de entrar totalmente no compartimento, ele pôs a mão na boca fugindo estar rindo de outra coisa.

Minha figura refletida no espelho não está nada mal, afinal, obtive uma ótima noite de sono na qual resultou grande parte do sumiço de minhas olheiras. Lavo o rosto sentindo o toque frio da água retirar qualquer vestígio de sono que possa existir em minha face. Como o único motivo que me fez sair da frente de Harry foi para vestir minha calça, passei o tecido por minhas pernas, me espremendo contra o couro.

Antes de sair, amarrei meus cabelos em um coque frouxo, alinhando os fios que cobriam minha testa. Por algum razão Harry não está em seu quarto, que por um lado é bom, pois possibilita minha saída da casa sem notada, porém queria vê-lo uma última vez de bom humor visto que talvez não o veja mais assim durante anos.

A casa com a iluminação natural é bem diferente do que o estado em que a vi ontem, embora o lixo ainda esteja espalhado por vários cantos, não muda o fato de possuir uma decoração bastante simples e afetiva. Por força do hábito, junto o lixo que encontrara por onde passei. Tomo a liberdade de pegar a vassoura e arrastar a poeira e alguns utensílios que me recusei a tocar: preservativo usado.

Não sabendo o que fazer com o lixo acumulado, coloco-o próximo da porta de vidro que revela o quintal da casa. Não há índices de desorganização, ou sujeira espalhada, indicando que aquela área não foi utilizada pela festa. Pelo menos um cômodo está limpo.

Atrás do material transparente, existe um gramado verde e recém-cortado. Não há nada muito interessante no quintal, tirando um fato curioso em que Harry estava lá. Ao meu ver, penso que está somente observando o capim, no entanto, assim que suas costas largas se movimentam, sou capaz de vê-lo segurando um regador, molhando tulipas que ainda floresciam.

Me despeço mentalmente desta cena, sorrindo boba por ter tido o prazer de apreciar uma ação tão normal, mas que vindo de Harry, parece irreal. Ao sair de sua casa, mesmo com esperança de esquecer a cena, ela se repetiu em minha cabeça, até que eu chegasse em minha casa.

Enquanto eu luto para parar de sorrir, quando abro a porta de casa silenciosamente, Amber se encontra totalmente diferente de meu estado.

– O que aconteceu? – pergunto, já ganhando o tom de nervosismo por achar minha irmã em uma situação vulnerável.

Só faz uns... Oito anos que não a vejo chorar, e quando isto aconteceu, Amber havia caído do balanço e ferido seu joelho. Aquela foi a última vez que vi seus olhos azuis se afundarem em lágrimas.

— Eu e o Harry... — ela enruga o nariz fungando — Terminamos.

Memories » H.SWhere stories live. Discover now