Parte 1

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Quando Clarice desembrulhou o espelho e viu sua imagem refletida nele, ficou curiosa e, ao mesmo tempo, com medo de ser descoberta. Sua avó havia sido clara sobre não mexer no grande embrulho que chegara ao antiquário àquela manhã.
Ela concordou, aninhou-se na espreguiçadeira florida, que estava há tanto tempo na loja que Clarice desconfiava que sua avó já nem queria mais vendê-la, e fechou os olhos para dormir. Nem bem sua avó deixou a sala, e a menina tratou de se voltar para o embrulho cor de rosa.
Clarice, com a curiosidade própria das crianças e a teimosia típica de quem estava sempre metida em apuros, não resistiu e fez de tudo para não rasgar o papel rosa, grosso e áspero que vestia o curioso objeto. O plano era reembalá-lo de forma que sua avó nunca soubesse que ela o tinha tocado.
O espelho era ovalado, com uma moldura de madeira escura, entalhada com uma forma espiralada esquisita. A menina ficou um tanto quanto desconfiada, por que tanto mistério com um objeto tão simples? Na loja havia itens muito mais valiosos, peças antigas que sua avó dizia terem pertencido até à gente da família real portuguesa.
Preocupada que a avó estivesse retornando, ela tratou de embrulhar novamente o espelho. No entanto, estranhamente estava tendo dificuldade em fazê-lo. Virou o espelho para ver o porquê e percebeu que o papel havia prendido em uma espécie de gancho, que provavelmente era usado para pendurar o espelho na parede. Clarice respirava ofegante, com medo de ser pega em sua travessura e, ao puxar o papel, arrancou mais do que gostaria, o gancho soltara do espelho.
Tomada pelo pânico, a menina demorou para notar que no extremo oposto ao papel rosa, havia um outro papel preso. Ela deitou o espelho no chão à sua frente e soltou o pequeno papelzinho branco da ponta do gancho. Era um fino papel, quase transparente, dobrado em muitas partes. Clarice foi desdobrando e algumas palavras foram surgindo.
Não foi muito inteligente, é verdade, mas quando se deu conta, Clarice estava lendo em voz alta o que dizia o papel:
--  Nimm mich mit Nimm mich mit Nimm mich mit!
E, então, a menina foi sugada para dentro do espelho sem que pudesse reagir ou gritar. De lá, conseguia ver todo o antiquário, inclusive sua avó, que estava de volta e ficou muito chateada ao perceber que a menina havia feito mais uma das suas, desobedecido ordens expressas e ainda quebrado uma peça valiosa, que diziam ter pertencido a um feiticeiro alemão.

Ilustração: Camila Veloso

O Antiquário Da VovóWhere stories live. Discover now