Capítulo 02 - Mal acompanhada, mas nunca só!

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"Não entendo Teu modo de agir, quando trazes à minha memória dores, marcas, histórias que estão bem vivas em mim..."

Marcas - Fernanda Brum

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— Mamãe, me leva no parquinho hoje? — perguntei, feliz por ver minha mãe de manhã.

— Não! — respondeu secamente.

— Mas, mamãe...

— Para de me chamar de mãe, garota imbecil! — ela segura em meu braço, sacudindo com força.

     Senti meu corpo gelar. Paralisei onde estava, não ousei falar nenhuma palavra mais. Segurei as lágrimas que se formaram em meus olhos.

— Anda, sai logo daqui! — ela diz aos berros, me empurrando para o quarto.

     Quando cheguei perto do meu quarto, sinto uma lágrima solitária correr pelo meu rosto.

— Que gritaria é essa, Ana? — um homem alto, forte, de cabelo preto arrepiado sai do quarto da mamãe perguntando.

     Nunca entendi porquê mamãe trazia tantos homens para casa, praticamente todas as noites era um homem diferente. No início pensei que era um namorado, mas dois dias depois, quando ela voltou com outro homem, percebi que não era isso.

— Eu falei que não era pra me acordar agora — ele grita, em seguida desfere um soco no rosto dela.

     Com impacto ela cai no chão. Mesmo sentindo medo, corri ao seu encontro gritando por mamãe.

— Quem é essa pirralha, sua vagabunda? — o homem me fita enfurecido, seus olhos estavam avermelhados, parecia estar fora de si.

     Ele me puxa bruscamente pelos cabelos, me causando dor.

— Mamããe!! — gritei, desesperada.

— Solta ela, Otávio! — ela pede ainda no chão. — Ela é só uma criança!

...

     Acordei assustada com as lembranças. Essa era a quarta vez que sonhei com um dos piores momentos da minha infância. Por mais que eu tente esquecer desses momentos ruins, as lembranças sempre me atacam durante a noite. Passei a ter medo de dormir também.

     Olhei no relógio e ainda era quatro horas da madrugada. Virei-me para o lado na tentativa de voltar a dormir, mas acabei me aprofundando mais naquelas lembranças. Lembrei exatamente do homem não me soltar, então Ana levantou e se pôs a minha frente. Ela me empurrou para o quarto e então eu fechei a porta assustada. Deu-se início a uma gritaria, ouvi Ana gemer de dor e o barulho de coisas caindo no não. Naquela noite eu corri para minha cama e tampei os ouvidos. Eu não queria ouvir. Fiquei encolhida, de olhos fechados até tudo terminar.

     Aquele homem não voltou nunca mais, porém, episódios como aquele se repetiram. Desde aquele dia Ana passou a me trancar no quarto, ela me mandava não fazer barulho e até ameaçava me bater caso isso acontecesse. Nunca entendi o motivo disso, eu era apenas uma criança, era tudo muito confuso, mas tinha plena consciência que não queria ter que viver momentos como aqueles novamente. No entanto, eles se repetiram até os meus seis anos, quando Jussara me adotou.
     O que Ana não sabia era do quanto eu me sentia mal naquele quarto, ficar ali sozinha me deixava sempre angustiada. Eu chorava todas às vezes que ouvia o barulho do trinco tomando o seu lugar. Era enlouquecedor ter que permanecer ali, sem ninguém, ouvindo os ruídos dos trovões nas noites chuvosas ou as brigas que haviam quase todos dos dias.

Irresistível AmorWhere stories live. Discover now