Armadilha

1.3K 92 9
                                    

-Você não tem noção do quanto estava com saudades de sua comida Sammy.

-Se estivesse mesmo com tantas saudades, teria aparecido por aqui mais vezes.

Elizabeth pode sentir o toque de resentimento na voz da delicada senhora.

-Ah, não faça isso Sammy. Você sabe o quanto esse maldito lugar me afeta. Eu detesto isso aqui tanto quanto o inferno.

-Elizie não fale assim, filha. Esse aqui é o seu lugar, foi aqui que você nasceu, é aqui que suas raízes germinaram.

Revirando os olhos em total desagrado às palavras da mulher mais velha, Elizabeth retrucou.

-Não seja tão melo dramática Sammy, e muito menos tão complacente com esse povo daqui. Por mim poderiam soltar uma bomba nesse buraco que eu ficaria até agradecida, mas é claro que você estaria ao meu lado para apreciar este espetáculo.

-E depois você ainda fala de mim Elizie. Já faz mais de cinco anos e você ainda carrega toda a amargura do passado.

O olhar de Elizabeth mudou ao ouvir as palavras da mulher. Agora seus olhos verde-água mostravam um vazio cheio de sombras do passado.

-Não venha querer comparar a morte de um cachorro, a morte de minha mãe Sammy. Isso não tem o menor cabimento.

-Nada comprovou que foi alguém de Village Guards que matou sua mãe Elizie. Ninguém aqui teve o mínimo de culpa nessa fatalidade.

O silêncio tenso que pairou em volta das duas, mostrou a Sammy o quanto Elizie era contra aquelas palavras.

-Vamos deixar esse assunto de lado, me conte como está sua vida amorosa. Na sua última ligação você me disse que tinha conhecido um homem bem interessante.

Visivelmente mais relaxada, Elizie deu fez um pequeno beicinho.

-É, ele era realmente um homem interessante. Mas era comprometido e eu não me envolvo com homens assim, mesmo que eles me ofereçam uma fortuna para fazê-lo.

-Ele lhe ofereceu dinheiro para que você ficasse com ele?

-Sim, e não foi pouco. Eu juro que o se eu não me sentisse tão ultrajada com a sua proposta eu teria aceitado de muito bom grado.

A careta de desagrado que tomou o rosto de Sammy, mostrou a Elizabeth que ela não deveria ter dito aquelas palavras.

-Nem ouse fazer isso consigo mesma Elizie! Onde já se viu tamanha falta de respeito? Na minha época mulheres que recebiam tal proposta eram geralmente mulheres da vida. Mas hoje em dia as coisas mudaram de tal forma que toda essa pouca vergonha é tida como normal!

-Calma Sammy, também não precisa exagerar.

-Como não exagerar? Você praticamente acabou de me dizer que venderia seu corpo intocado para o homem que desse o lance mais alto da rodada! E você quer que eu não exagere?

Com um longo suspiro, Elizabeth tentou manter o pouco de calma que ainda tinha.

-Samm, não se preocupe ok? Está tudo bem, não precisa se preocupar. Não entendo o porque de você se desesperar tanto para que eu permaneça virgem. Pelos céus, eu já tenho vinte dois anos! E o máximo que aconteceu foram beijos selvagens e pegadas indiscretas.

-Elizie, você sabe que eu apenas estou zelando pelo seu bem-estar. Não me agrada a ideia que você possa dar o que tem de mais precioso a alguém que mal conhece, ou pior, dar a alguém que não lhe ama.

-Você sabe que esses seus pensamentos são considerados ultrapassados, não é?

-Podem até ser, mais eles são os valores que estão dentro de mim e não podem ser arrancados tão facilmente por qualquer pensamento moderno.

Revirando mais uma vez os olhos, Elizabeth se esticou mais no sofá, deitando a cabeça no encosto de braço macio enquanto apoiava os pés no colo de Sammy.

-Espere aí menina, que tal algumas histórias antigas regadas a um bom chocolate quente?

-Sammy, é por isso que eu te amo mulher!

A mulher mais velha levantou-se soltando um riso doce enquanto seguia o ruma da cozinha, voltando minutos depois com duas canecas de um chocolate quente fumegante numa bandeja de madeira, enquanto apoiava um livro grande e velho no outro braço.

Elizabeth aceitou de bom grado a caneca contendo o liquido quente, para longo em seguida se acomodar melhor no sofá, ouvindo a voz suave fazendo-a vagar pelos contos cheios de lendas misteriosas e supertições de um povo.

“Eles são nossos protetores, nossos guardiões. As sentinelas noturnas que velam nossos sonhos à noite, que mantêm os maus longe de nossas terras. Mas eles não fazem isso pelo sentimento de nobreza ou honra, e sim pela recompensa. Prêmio que sempre os aguarda a cada cinco solstícios, quando o poder do universo se concentra na luz que paira o céu da noite e os dá mais forças. Força que vem daquela que deita na mesa de pedra e cede aos guardiões seu corpo e sua alma. É dela que eles tiram seu pagamento, é a partir dela que ele saciam seus desejos, suas fomes. As betas que nos protegem, pedem um alto preço pelo serviço que nos prestam. A mulher, que deve ter o coração puro e a alma branda, precisa se entregar aos olhos do líder das betas. Mas até hoje, nenhuma mulher conseguiu tal feito, obtendo assim, a morte cruel e dolorosa. Até hoje, as betas nos protegem em prol de sua recompensa a cada cinco solstícios, e buscam por entre as escolhidas, aquela que lhes servirá eternamente.”

Elizabeth sentiu o sono abater-se suavemente pelo seu corpo enquanto escutava a voz de Sammy terminar uma de suas histórias preferidas. Relaxada, a jovem não viu os rostos estranhos que lhe fitavam por trás das janelas da pequena e modesta casa. E tão pouco percebeu quando seus pés e mãos foram amarrados e sua boca amordaçada, enquanto seu corpo era erguido para cima de uma pequena maca de madeira e transportado para dentro da floresta.

Elizabeth estava perdida entre a bruma dos sonhos e das fantasias.

Oferenda aos ProtetoresOnde histórias criam vida. Descubra agora