XXI

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— Parece que vamos lhe dar uma carona até em casa hoje.
Foi Sophia quem disse isso, no oitavo tempo. Tinha acabado de se sentar na carteira atrás de mim. Eu havia me esquecido de que minha mãe ligara para a de Sophia na noite anterior perguntando se ela poderia me levar depois da aula.
— Não precisa — respondi instintivamente, como se não fosse nada de mais.
— Minha mãe pode me buscar.
— Achei que ela tivesse que buscar o Hazz, ou algo assim.
— Mas ela pode vir me buscar depois. Ela acabou de me mandar uma mensagem. Sem problemas.
— Ah. O.k.
— Obrigada.
Era tudo mentira, mas eu não conseguia me imaginar sentada em um carro com a nova Sophia. Depois da aula me enfiei em um dos banheiros para não esbarrar com a mãe dela do lado de fora. Meia hora depois saí da escola, corri os três quarteirões até o ponto de ônibus e peguei o ônibus para casa.
— Oi, querida! — disse a mamãe no momento em que passei pela porta da frente. — Como foi seu primeiro dia? Eu estava começando a me perguntar onde vocês tinham se enfiado.
— Paramos para comer uma pizza.
É incrível como uma mentira pode escapar facilmente de nossos lábios.
— A Sophia não está com você?
Ela pareceu admirada por não ver minha amiga bem atrás de mim.
— Foi direto para casa. Temos muito dever.
— No primeiro dia?
— É, no primeiro dia! — gritei, o que deixou mamãe chocada. Mas antes que ela pudesse dizer qualquer coisa, continuei: — Foi tudo bem na escola. É realmente grande lá. Os alunos parecem legais. — Eu queria dar a ela informações suficientes para que não precisasse me perguntar mais nada. — Como foi o primeiro dia do Hazz?
Mamãe hesitou, com as sobrancelhas ainda arqueadas por eu ter gritado com ela um segundo antes.
— Legal — falou devagar, como se soltasse a respiração.
— O que você quer dizer com legal? — perguntei. — Foi bom ou ruim?
— Ele disse que foi bom.
— Então por que você acha que não foi?
— Eu não falei que não foi bom! Meu Deus, Gemma, o que há com você?
— Ah, esquece, deixa para lá — respondi, e entrei dramaticamente no quarto do Harry, batendo a porta depois. Ele estava jogando PlayStation e nem ergueu os olhos. Eu odiava o modo como os videogames o deixavam parecendo um zumbi.
— E aí? Como foi na escola? — perguntei, chegando o Dusty para o lado a fim de conseguir me sentar perto dele na cama.
— Legal — respondeu ele, ainda sem tirar os olhos do jogo.
— Hazz, estou falando com você!
Arranquei o PlayStation de suas mãos.
— Ei! — gritou ele, zangado.
— Como foi na escola?
— Já disse que foi legal! — ele berrou, pegando o jogo de volta.
— As pessoas foram gentis com você?
— Foram!
— Ninguém foi mau?
Ele deixou o PlayStation de lado e olhou para mim como se eu tivesse acabado de fazer a pergunta mais idiota do mundo.
— Por que as pessoas seriam más? — indagou.
Era a primeira vez que eu o ouvia ser sarcástico desse jeito. Não achei que ele pudesse fazer isso.

- X -

Não tenho certeza de em qual momento daquela noite o Hazz cortou a franja, nem sei por que isso me deixou tão chateada. Mas ele sempre tivera tanto orgulho daquilo, de como havia demorado para crescer. Ele e Nick, seu melhor amigo, brincavam com sabres de luz e outras coisas de Star Wars sempre que se encontravam, e os dois começaram a deixar a franja crescer ao mesmo tempo. Quando Harry cortou a dele naquela noite, sem nenhuma explicação, sem nem me contar antes (o que foi surpreendente) — e sem sequer ligar para o Nick —, fiquei tão chateada que nem consigo explicar por quê.
Já vi o Hazz pentear o cabelo em frente ao espelho do banheiro. Ele tenta deixar cada fio meticulosamente no lugar. Inclina a cabeça para ver ângulos diferentes, como se no espelho houvesse alguma perspectiva mágica capaz de mudar seu rosto. Mamãe bateu à porta do meu quarto depois do jantar. Parecia exausta, e percebi que, por causa do Hazz e de mim, o dia também tinha sido duro para ela.
— Então, quer me contar o que está acontecendo? — perguntou ela baixinho e em tom gentil.
— Agora não, está bem? — respondi.
Eu estava lendo. Estava cansada. Talvez mais tarde quisesse conversar com ela sobre a Sophia, mas naquele momento, não.
— Volto antes de você ir dormir — disse ela, aproximando-se e beijando o topo da minha cabeça.
— O Dusty pode dormir comigo esta noite?
— Claro. Vou trazê-lo mais tarde.
— Não se esqueça de voltar — falei enquanto ela saía.
— Prometo.
Mas ela não voltou naquela noite. Em vez dela, quem apareceu foi o papai. Ele me disse que o primeiro dia do meu irmão na escola tinha sido ruim e que a mamãe o estava ajudando com isso. Perguntou como tinha sido o meu dia e respondi que foi bom. Ele falou que não acreditava nem um pouco nisso e contei que a Sophia e a Gigi estavam sendo idiotas. (No entanto, não falei que peguei o ônibus para casa sozinha.) Ele disse que nada põe amizades tão à prova quanto o ensino médio e depois começou a zombar de mim por estar lendo Guerra e paz. Não de verdade, é claro, porque eu já o ouvira se gabar para as pessoas de que tem "uma filha de quinze anos que lê Tolstói". Mas ele gostava de me provocar perguntando em que ponto do livro eu estava, na parte da guerra ou da paz, e se havia algo ali sobre os dias de Napoleão como dançarino de hip hop. Era uma coisa boba, mas papai sempre conseguia fazer todo mundo rir. E às vezes isso é tudo de que você precisa para se sentir melhor.
— Não fique zangada com a mamãe — disse ele, ao se inclinar para me dar um beijo de boa-noite. — Você sabe como ela se preocupa com o Hazz.
— Eu sei — respondi.
— Quer que eu deixe a luz acesa ou que apague? Está ficando tarde — falou, parando à porta, ao lado do interruptor.
— Você pode trazer o Dusty antes?
Dois segundos depois ele voltou com o Dusty balançando em seus braços e a pôs deitado na cama, do meu lado.
— Boa noite, querida — falou e beijou minha testa. Também deu um beijo na testa do Dusty.
— Boa noite, mocinha. Bons sonhos.

Extraordinário|| LsWhere stories live. Discover now