Capítulo 29

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Quando Hilda me ligou domingo à noite praticamente me intimando a encontrá-la no dia seguinte, eu bem sabia que nossa conversa não seria nada amigável. Também estava ciente de que, desde que havia conhecido aquela senhora, não tinha o controle da impressão que minha sogra tinha de mim.

A solução, portanto, seria planejar o máximo possível as saídas para uma possível enrascada na nossa conversa do dia seguinte.

Dessa maneira, quando estava a caminho para a casa de Hilda, liguei para o celular de Fernão enquanto eu ainda estava saindo do meu apartamento. Um indivíduo tão ocupado como o governador do estado dificilmente teria tempo para vir ao meu socorro.

Sempre soube, porém, que um homem é capaz de fazer qualquer coisa para conseguir levar uma mulher para cama.

– Fernão, boa tarde, sou eu, Íris – disse, logo após entrar no táxi.

– Oi meu anjo, tudo bem?

– Sim, estou ligando porque você me disse que quando eu precisasse de ajuda poderia telefonar.

– Henrique fez alguma coisa? – questionou, deixando notar a preocupação na voz.

– Não, não foi ele. – Fiz uma pequena pausa, indecisa se deveria falar. – Sua esposa me ligou ontem. Tô indo pra casa de vocês. Ela deixou claro que não gostou de você ter me levado pra passear no barco. Ela quer ter uma conversa definitiva comigo e esclarecer umas coisas. – Outra pausa, para verificar a reação dele. O governador permaneceu mudo. – Acho que ela ficou com ciúmes da amizade que tenho com você. E deixou bem claro que vai me afastar.

– Bem... eu terminei mais cedo aqui no gabinete. Ia passar no aeroporto para resolver umas coisas de uma viagem minha pessoalmente.

– Você pode me ajudar? – indaguei-lhe, numa quase-súplica. – Acho que ela não quer que eu fale mais com vocês. Não sei porque, eu não fiz nada.

Houve um novo hiato do outro lado da linha. Possivelmente se lembrando de sua promessa do dia anterior, e, com certeza, pensando na moça a qual ele estava interessado, meu sogro concordou em vir ao meu socorro.

Dessa forma, contei com um pouco de sorte e com as minhas habilidades de persuasão para fazer Fernão flagrar a sua esposa tentando me coagir.

***

O governador estava parado a nossa frente, ainda com o terno e gravata usados no trabalho. Já minha sogra permanecia de pé. Hilda encarava o marido com uma expressão que eu nunca havia visto no rosto daquela senhora; espanto.

Com braços cruzados e tom mais firme, meu sogro questionou:

– Está acontecendo alguma coisa aqui, Hilda?

Por um curto período, minha sogra ficou de olhos arregalados e boca entreaberta. Gaguejou, tentando falar algo, enquanto agitava as mãos. Ela não era tão boa no improviso quanto eu.

Infelizmente, a velha não se demorou muito naquela situação, dando um sorriso não muito convincente e falando:

– Chamei minha nora amada pra conversar, meu amor. Depois que nosso filho chegou naquele estado, fiquei preocupada com esse anjo – disse, apontando para mim. Já eu estava impassível, encarando-a de modo firme.

Ergui o envelope fechado com o cheque para Fernão. Num bote, Hilda tomou o objeto de mim. Mal poderia imaginar que as mãos enrugadas daquela senhora fossem tão ágeis. Franzindo o cenho e estranhando a atitude da esposa, o dono da casa questionou o que era aquilo.

– Um convite – disse Hilda. – Pra minha festa de aniversário.

– Mas só vai acontecer daqui a quase dois meses – retrucou Fernão, aproximando-se da esposa. – Você nem mandou a gráfica fazer.

CobiçaWhere stories live. Discover now