XXX. "Anjo", "Acidente", "Lorenzo" e "Demônios"

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Música indicada: Earned it (The Weeknd)

Lorenzo permaneceu na estrada central pelos quilômetros iniciais, mas era arriscado e resolveu pegar vários atalhos até o destino. Precisava sair do país o mais rápido possível, era a única forma de despistarem e encontrarem ele. Os demônios já estavam perto demais e o anjo não estava mais lá para fazer a única coisa para qual Enzo achava que prestava: quebrar sua energia. Eloísa dormia ao seu lado no carro e ele se preocupava com as perguntas que teria que responder quando ela acordasse. Eram tantas. A noite estava fria e o rapaz se precaveu em levar a manta vermelha do hospital e colocar sobre ela.

Seus olhos estavam fixos na estrada e seu pensamento fixo em arrumar uma saída rápida. Os demônios atingiram o carro no qual Eloísa estava e isso só tinha dois significados possíveis: não sabiam que ela estava no carro e isso quer dizer que não sentiam ela, ou não precisam dela viva. Ele mentiu. Criou uma história a respeito da energia dela para convencê-la, sabia que a garota estava no hospital porque a levou até lá. Pensou que seria capaz de deixá-la, mas não conseguiu. Isso o assustava. Nunca esperou aquilo de si. Mesmo cheio de medo, pegou-a desacordada e a carregou alucinante até o hospital mais próximo. Foi quando percebeu que não sentia mais seu corpo vibrar ao tocá-la. Então raciocinou e notou que, se ainda estivessem conectados, ela deveria sentir seus neurônios fritarem como ele perto do anjo, mas não sentia. Algo havia mudado desde que saíram da lanchonete em Hender e permanecia assim mesmo na ausência de Lupita. Nenhum demônio o seguiu enquanto caminhava com a garota nos braços três dias antes. Tudo que deveria fazer sentido ficava mais e mais confuso para ele.

Em contraponto, se perguntava: Que tipo de anjo é esse? Porque Lupita de fato abandonou a garota. Será que Lupita também tinha medo dos demônios? Ele não parava de pensar um só minuto.

Eloísa já tinha se acostumado a acordar cada vez em um lugar diferente. Observou o olhar de Enzo fixo na estrada e o encarou por alguns segundos. Tinha aceitado voltar para aquela jornada absurda se Enzo começasse a responder suas perguntas e estava pronta para fazê-las.

— Para onde está me levando? — começou. Ele não pareceu se assustar. Enquanto esperava por uma resposta, começou a mexer no porta-luvas do carro e o homem a olhava confuso. — Aeroporto — respondeu, tirando os olhos da estrada escura por um instante e encarando-a —, precisamos sair do país.

Eloísa ficou uns instantes em silêncio, o olhando com o papel amassado, que havia acabado de encontrar, em mãos e o homem franziu a testa.

— Me fala que está brincando — implorou, ajeitando-se no banco.

— O que está fazendo? — Quis saber quando a garota ergueu os pés para cima do banco e apoiou o papel amassado nos joelhos antes de testar a caneta azul sem tampa achada junto. Ele a observou um pouco sem falar nada, a garota parecia concentrada escrevendo.

— Meus machucados sumiram mesmo — Passando as mãos onde antes havia um corte profundo e que tinha exigido pontos em seu braço. — Você pode explicar? Prometeu — relembrou. Enzo respirou profundamente.

— Primeiro me diga o que escreveu — exigiu, ela mostrou a letra garranchada para ele, mas Lorenzo foi incapaz de entender. — Treinava para ser médica? — Ela revirou os olhos.

— Só escrevi palavras soltas. Eu gosto de listar as coisas que acontecem e me perturbam, geralmente me acalma, mas dessa vez não tem como. É tanta coisa nova. Só escrevi "Anjo", "Acidente", "Lorenzo" e "Demônios", é um bom resumo, não acha?

O homem deu os ombros, internamente satisfeito por ela ter colocado seu nome e não algo diretamente ligado ao inferno, como todos sempre faziam, era como se fosse uma parte da personalidade dele ter estado lá.

— Lembro dos pés — revelou o olhando. — No acidente... — esclareceu. — O que aconteceu de verdade? — Ele respirou fundo, frustrado por não ter respostas, mas precisar falar sobre o que omitiu. O fato de tê-la ajudado. — O que é isso? — perguntou, curiosa, encontrando um papel dobrado dentro do porta-luvas que permaneceu aberto e ignorando a própria pergunta. Lorenzo se incomodou profundamente e se acanhou no banco quando ela desdobrou a folha branca, então, puxou de sua mão com velocidade. — Ei! Você que fez? — Tentou pegar de volta, mas não teve a menor chance e ele ainda estava guiando o carro em alta velocidade.

Lembrou do desenho realista feito em traços finos em grafite preto que fez na noite anterior, respirou fundo sentindo o rosto queimar de vergonha. Ela permaneceu o encarando, porque sabia que aquela mulher de olhos fechados era ela. Lorenzo a tinha desenhado.

— Tudo isso faz parte de um ciclo — resolveu explicar, tentando mudar de assunto pelo desconforto da descoberta, entrando com o carro no estacionamento do aeroporto — e eu achava que era a única solução — olhou Eloísa. — Mas entendi uma coisa e isso muda tudo.

— Preciso falar o quanto eu odeio você? — Questionou, séria, notando que ele havia dado voltas mesmo que respondendo parcialmente. — Você desenha bem — sussurrou, com um sorriso no canto dos lábios.

— Me odeie quando chegarmos no Peru — respondeu com a voz travada, parando o carro. — O ciclo já começou.

— Quando começou? — Cedeu à vontade de entender, saindo do carro para seguir o rapaz pelo estacionamento mal iluminado enquanto o outro quase corria. De medo dela e do que agora queimava em seu peito quando pensava sobre a loira.

— Não sei exatamente, mas acho que quando você tocou o colar — disse olhando em direção ao coração pendurado no pescoço da garota. Ela passou a mão sobre o objeto e se tremeu de frio ao sentir uma rajada de vento atingi-la. Andavam um ao lado do outro e Enzo tinha pressa.

— Onde está o outro? — Perguntou, aflita e se tranquilizou quando o rapaz puxou o pingente para fora da camisa branca. — O que tem de especial no colar, afinal? — Enzo segurou sua mão, mas ela a puxou em um impulso pensando que queimaria. Não aconteceu, então aceitou quando ele tentou de novo. — Por que não me queima mais?

— Eu não te queimo mais porque essa parte do ciclo acabou, assim como minha fase humana e nossos sentimentos compartilhados — explicou, puxando-a. — E sobre os colares... — virou-se para ela por um segundo e parou. — Não faço a menor ideia. Você sabe de algo sobre eles? Certo, são algo celestial, mas por que temos relação com isso? Por que você tem relação com eles?

— Você é o ser sobrenatural aqui — repreendeu mais alto — e deveria me explicar esse tipo de coisa.

— Nunca me teletransportei por um colar — sentindo-se intimidado. — Desculpa — sussurrou, depois respirou fundo e voltou a andar, entrando no aeroporto super iluminado e cheio de informação, barulho e pessoas.

— Enzo... — chamou. Ele parou e a olhou, mas depois voltou seus olhos para trás, como se buscasse por algo. — Lorenzo! — Exigiu sua atenção.

— Não podemos parar — sussurrou, ansioso, mas se calou quando ela o abraçou.

Prendeu os braços ao redor do pescoço dele e o fugitivo, de olhos arregalado, passou as mãos por sua cintura logo depois. Foi então que notou o quão próximo se sentia dela sem nunca a ter abraçado. Não tinha ideia do quanto precisava disso, mas seu coração perturbado se acalmou com a troca de afeto.

— Quando estivermos dentro do avião, eu explico tudo — prometeu. Ela se afastou e o olhou nos olhos. Ainda estavam tão próximos que podiam sentir a respiração um do outro e Eloísa reprimiu o desejo que saltou em seu peito quando olhou os lábios do fugitivo.

— Você precisa trocar de roupa. Eu te arrumei isso — tirou a identidade e o passaporte falso dela do bolso. — Agora vamos, por favor — implorou.

FUGITIVOS DO INFERNO 01 - Ciclo Da Era [COMPLETO]Where stories live. Discover now