JÁ ESTÁVAMOS CONDENADAS

684 102 7
                                    

O nosso início de namoro foi maravilhoso, estávamos encantadas e nos descobrindo. Descobri que Laura colava os fios de cabelo que caíam durante o banho no boxe e esquecia de tirar depois. Lembrei que louça não se lavava sozinha, que papel higiênico não nascia em árvore, que odiava lata de lixo no banheiro e que calcinha pendurada no boxe era broxante.

Em contrapartida dormir de conchinha, acordar de um pesadelo com alguém te dizendo que estava tudo bem, fazer maratonas de seriados, ir ao cinema e de vez em quando ao Motel, eram as coisas mais maravilhosas do universo.

A mudança de Laura pra minha casa foi praticamente imperceptível, quando me dei conta, ela já ocupava metade do meu armário. Nós não conseguíamos mais dormir separadas, até que resolvemos assumir pra nós mesmas que estávamos casadas.

Laura fez algumas mudanças na decoração, quis por exemplo pintar uma parede de vermelho e foi um inferno.

- Ah não, vermelho?- eu disse.

- Sim, é paixão!

- Dá a sensação de calor, sede... Você acha que a logo da Coca-Cola é vermelha por qual motivo?

E comecei a lhe dar aula sobre a psicologia das cores no marketing...

- OK, senhora profissional do designer, mas você por acaso sente calor? Sente frio?- Laura quebrando toda a minha argumentação.

- Eu sinto raiva quando você usa argumentos cretinos, serve?

E pintamos a parede de vermelho.

Laura gostava bastante de planta também, colocou um bambu no meio da sala, não impliquei, mas atraía mosquitos. Eu sou praticamente um mosquito, só que no topo da cadeia alimentar.

- NÃO ACEITO DIVIDIR MINHA REFEIÇÃO COM MOSQUITOS! ACHO UMA AFRONTA!- eu dizia.

Laura ria.

Ela amava quadros de filmes, espalhou vários pelas paredes, fiz até a arte de alguns com os nossos favoritos, mandamos imprimir e emolduramos.

Não mexeu na minha estante de livros, Laura era apaixonada pelo estilo retrô dela, dizia que era pecado pintar jacarandá.

No geral entramos em consenso quanto às mudanças, exceto em um detalhe que parecia pequeno para a Laura, mas era gigantesco pra mim: Espelhos.

Não poder ver meu rosto me fazia sofrer demais desde a minha transformação, toda vez que olhava pra um espelho me lembrava de quem eu era: Ninguém. Expliquei tudo à Laura, mas ela me disse:

- Olha pra mim, o que você vê?

- Você me olhando com cara fofa?

- Amor, é isso que está refletindo, é isso que você é.

Colocamos os espelhos e nunca mais tocamos no assunto.

Quando ficava chateada por não me ver, recorria ao meu reflexo no rosto de Laura.

E aos poucos fomos nos acostumando com nossa nova vida e aprendendo a conviver. Rotina não existia no vocabulário de Laura, cada dia uma nova surpresa, eu por outro lado sempre fui mais acomodada, Laura às vezes brigava comigo por isso, mas sempre dava um jeito de inovar, definitivamente ela era a alma da casa.

O dia de sua formatura foi a coisa mais linda, ela estava tão feliz, eu morri de orgulho "Essa é minha garota" eu pensava. Ficou linda usando beca. Durante seu discurso de agradecimento se referiu a mim com palavras que nunca vou esquecer "Agradeço à minha melhor amiga, minha companheira, minha maior incentivadora, meu motor, meu amor, Olga", obviamente caí em lágrimas e claro, Dra. Ana e Márcia me fuzilaram com olhares, mas nada mais importava, eu só pensava "Parabéns Dra. Laura".

Um Pacto De SangueWhere stories live. Discover now