Capítulo 1 - A cabana

1.4K 73 22
                                    

O cansaço era tanto quando cheguei em casa naquele dia que não tive forças para tirar a roupa que usava desde a manhã. Me livrei dos tênis, cujo cadarço já deixara suas marcas no peito do meu pé, e relaxei sobre a cama para um merecido descanso na companhia de um bom livro.

Só percebi que havia passado três horas que passei relendo Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban, quando o relógio digital na mesinha de cabeceira ao lado da cama emitiu um suave bipe anunciando que faltava apenas 15 minutos para meia noite.

Apenas quando fechei o livro, pude notar a luz de cor azul iluminando meu quarto de tão concentrada que eu estava na história. Meus sentidos haviam ignorado o fato ou atribuído ao brilho de uma fonte luminosa externa sem importância por não estar oferecendo ameaça.

Entretanto, não era de fora que vinha o brilho, mas do espelho de corpo inteiro que ficava ao lado do meu guarda-roupa. Levantei da cama deixando o livro fechado sobre ela e me aproximei do objeto estranhamente reluzente.

A primeira coisa que percebi quanto toquei sua superfície, é que estava tão mole quanto gelatina. Inicialmente foi um choque, que começou a se transformar em medo por eu de alguma forma ter estragado o espelho. Mesmo sem a menor ideia de como poderia ter acontecido, não queria levar uma bronca sem nem ao menos saber como explicar aquilo.

Fui até a porta do quarto, pois morava com meus pais e queria ter a certeza de que estavam dormindo e não haviam sido perturbados pelo que acontecia, e depois de fechá-la, voltei minha atenção para o fenômeno estranho à minha frente.

Toquei a superfície mais uma vez com meu indicador direito, dessa vez com um pouco mais de força, e foi mais um choque perceber que não só o dedo entrou na substância gelatinosa, como a sensação era agradável ao tato. Recuei o membro com um sorriso no rosto e resolvi arriscar um pouco mais.

Juntei os dedos fechando o punho e pressionei o braço direito contra a superfície que não ofereceu resistência nem me feriu. Tirei o braço para fora, apenas para checar com meus olhos se estava tudo bem, para meu alívio estava, e tomei uma decisão.

Era óbvio que o espelho estava sob o efeito de alguma coisa que ninguém tinha presenciado antes, ou pelo menos nunca compartilhado, já que de maneira lógica meu braço deveria ter tocado a parede atrás dele quando me deixei afundar. Aquilo só poderia ser um portal. Precisei reprimir um gritinho ao notar que estava de frente para algo que eu só havia lido nos livros, mas sempre sonhara viver.

A magia em sua forma pura estava se manifestando bem na minha frente e eu não deixaria a oportunidade passar. Dei alguns pulinhos, esfreguei as mãos e levantei o pé direito e só então percebi que estava apenas de meias.

Ri de mim mesma por pensar em enfrentar uma aventura estando descalça. Corri até meus All Star amarelos, calcei o mais rápido que pude com medo do efeito no espelho desaparecer tão de repente quanto tinha aparecido, fiz o sinal da cruz, fechei os olhos e mergulhei.

Quando me dei conta que poderia estar caindo em um poço profundo, como Alice no País das Maravilhas, ou pior, na água agitada ou no fogo, senti certo alívio ao bater com força contra o chão duro e empoeirado de madeira no que parecia ser uma cabana abandonada. À medida que ia me recompondo, fui tomando nota mental do local de aparência miserável, para não dizer prestes a desabar.

O sofá de três lugares na minha frente foi o primeiro móvel que visualizei com a luminosidade a qual não fui capaz de descobrir a fonte, mas parecia se espalhar pela habitação. Era de um vermelho muito desbotado e o forro estava rasgado em várias partes exibindo a espuma quase marrom de tão suja. A mesinha de centro na frente dele estava com o tampo bastante detonado e arranhões enormes. Atrás de mim, uma estante com alguns livros parecia ser o que havia de mais preservado na sala e ao lado dela, quase oculto, o espelho por onde eu tinha passado.

Marotos ReunidosWhere stories live. Discover now