pacify her.

106 16 4
                                    

Eu o observo assim, meio cabisbaixa, com toda a insegurança retida na ponta dos cílios, como se fosse uma gota d'água que tremula no formato convexo de uma lágrima cristalizada.
Meu olhar acompanha seu desenho como se fosse algo proibido. Censurado. Sou vítima de um regime ditatorial arquitetado pelo meu próprio nervosismo.
Meus olhos acanhados, famintos por uma fração sua, se agitam em sua direção de forma simultânea, como se tentassem apagar a sede com apenas um gole de água. Sou tão você que, às vezes, esqueço de mim. Seu sorriso rasgado, suas mãos agéis, que apoiam o queixo num voto de prepotência, seu olhar que me atravessa pelo peito, até mesmo a forma como você batuca o pé contra a base do sofá: parece que te desenhei em sequência num maço de folhas de papel.
Você não percebe, mas minhas íris o acompanham enquanto você dedilha a panturrilha dela com um interesse mal disfarçado. Ela se inclina pra mais perto, aceitando o carinho, mas não consegue captar a essência por trás do seu toque. É incrível como consigo sintetizar a forma que você se abre através da carícia, como se estivesse marcando na pele dela a rubrica da sua própria sensibilidade.
Eu te enxergo, mas você não nota.
Sou mera figurante nessa pequena encenação-tortura, presa aos limites das coxias, enquanto assisto a forma que ela chama seu nome e dedilha seu braço com a reverência de seu livre-arbítrio. Minhas falas sempre parecem onomatopeias quando colocadas em contraste com o protagonismo exagerado de vocês.
Quero que você perceba.
Olhe para mim.
Descasque as camadas que me envolvem. Quebre essa carcaça que me protege. Tente despir um traço de sinceridade.
Quero que você perceba.
[Descubra-me ou irei ser devorada.]
O momento esfria. Sua mente vagueia para longe, enquanto você balança a cabeça e nega sozinho. Você comenta algo e ri, puxa a tela do celular e se estica para perto de mim, esquecendo, por um momento, como ela está inclinada no seu ombro, compartilhando comigo a notícia e um novo pedaço seu. Ela não entende a piada, mas eu sorrio. Você me olha e desmancha os lábios numa resposta tímida, percebendo a forma que meus lábios se curvam em resposta a você, num momento quase absurdo de reciprocidade.
Ainda assim, te sinto fora de órbita. É como se ela sempre te puxasse para fora da minha gravidade.

You've reached the end of published parts.

⏰ Last updated: Jul 18, 2016 ⏰

Add this story to your Library to get notified about new parts!

Beinaheleidenschaftsgegenstand. [aleatório]Where stories live. Discover now