CAPITULO VI - Despertar

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Acordei assustada. Eu suava frio e os olhos ardiam com toda a luminosidade que entrava pela janela. Demorei algum tempo para me lembrar o que tinha acontecido. Pensando de forma objetiva, eu deveria ter contado a alguém sobre os sonhos. O de hoje tinha passado de todos os limites.

Precisava parar de ler livros de fantasia. Eles já estavam me afetando demais e, se meu pai me visse nesse estado, eu passaria todo o fim de semana internada no hospital.

Fiquei de pé com dificuldade. Parecia que todas as células do meu corpo tinham sido agitadas e não queriam mais adormecer. Quando passei pela frente do espelho no banheiro, levei um tremendo susto. Primeiro o sonho e agora isso.

Me apoiei na pia enquanto observava meu reflexo. Havia símbolos escritos pelo meu corpo em um branco acinzentado. Quando toquei um deles percebi que não eram desenhos, era Lifran, fino e quente.

O problema é que os metais não costumam ser quentes. Pior que isso, como é que eu não senti o contato do material com a minha pele?

Comecei a falar com o meu reflexo.

— De onde esse metal apareceu? Será que foi o Ky que colou em mim enquanto eu dormia? Que brincadeira idiota.

Os símbolos não me eram estranhos.

— Não, isso não. Meu pai jamais concordaria com esse tipo de pegadinha. Eu queria saber quem teria tanto Lifran assim, esse metal custa uma fortuna.

Cheguei mais perto do espelho e percebi marcas de ramos de flores que subiam até minhas orelhas. Eu estava olhando para outra pessoa no espelho! Voltei a ter o pensamento da semana anterior: Metal não reage dessa maneira, afinal, o que estava acontecendo aqui?

— "Vá ao antiquário".

A voz ressoou na minha mente. Eu estava ouvindo vozes, socorro!

— Antiquário?! Mas eu nunca fui a antiqua....

Uma lembrança confusa se formou na minha mente.

— Existia um antiquário perto da toca, qual era mesmo o nome?

A placa descascada entrou em foco.

— Antiquário MASPE. Espera aí Alys, quem te disse isso foi uma voz, no escuro e em um sonho. Sua loucura está piorando.

Tentei arrancar o metal que estava sobre a minha mão.

— Porque esse Lifran não saaai? Ahhhhhh!

Continuei investigando os símbolos espalhados pelo meu corpo. Virei de relance para o espelho e percebi sobre as minhas costas um grande desenho. Eram duas asas com um cajado e uma espada cruzados à frente. Era tão bonito que não resisti e o toquei.

O símbolo começou a se transformar. Inicialmente como uma massa disforme. Depois surgiram asas. Elas eram grandes o suficiente para me envolver por inteira, coloridas em uma mistura de cinza, azul e lilás. Boa parte era feita de Lifran.

Entrei em pânico! O susto somado ao novo peso nas minhas costas me fez desequilibrar e cair sentada em cima da privada. Só não me machuquei porque aquelas asas tiveram uma reação espontânea me cobrindo e tornando minha queda macia.

Espiei por entre a fresta das asas. Arfei olhando para o espelho. Só via as pontas da nova parte do meu corpo e o desespero começou a tomar conta de mim. Comecei a chorar. Afinal, o que você faria se nascessem asas nas suas costas? Eu parecia um avestruz tatuado.

Depois de chorar por um tempo, me levantei e entrei no chuveiro. Eu precisava procurar respostas e já sabia onde encontrá-las. Decidi ir à toca sem que ninguém soubesse. Era sábado, então meu pai não estava e Ky só viria mais tarde. Eu era assim, ia do completo desespero à teimosia resoluta em minutos. Pensando bem, isso deveria ser uma qualidade.

Entrei no box me preocupando em não molhar as asas. Quando percebi a bizarrice desse pensamento, comecei a rir, aquele tipo de risada nervosa de quem sabe que tem um grande problema e está se atendo a pequenos e fúteis detalhes. Eu tinha dois pares de longas asas, marcas pelo corpo todo e precisava atravessar a cidade atrás de um cajado e livros com símbolos estranhos.

Além disso, eu tinha que encontrar uma voz que não sabia nem de quem era e que sabe-se lá onde estava. Penas molhadas era o menor dos meus problemas. E céus, eu tinha penas! E eu que achava que minha entrada na puberdade tinha sido um desastre.

Conforme a água descia pelo meu corpo fui encontrando tranquilidade. Não eram só as asas! Não eram só as marcas! Eu via tudo diferente. Conforme fui aceitando isso, elas foram se recolhendo até minhas costas ficarem leves novamente. O símbolo que havia visto nelas antes voltou a aparecer.

Coloquei um moletom por cima de uma blusa com as costas abertas que eu nunca havia usado. Quando cheguei na parte externa do meu prédio caminhei sorrateiramente por entre as vigas da garagem em direção à saída. Quase estraguei tudo. Eu precisei correr para trás de uma pilastra antes de que Ky me visse.

Ele caminhava em direção ao elevador enquanto conversava ao celular e gesticulava muito aflito. Eu até pensei em chamá-lo e contar o que estava acontecendo, mas meu recém adquirido senso de perigo dizia que ninguém deveria ver o cajado ou os livros. Esse seria um grande problema: Sair da toca sem que Helix me visse carregando os objetos.

Assim que Ky desligou o telefone e subiu, corri para o portão. Esperava voltar antes que sentissem minha falta. Se meu pai imaginasse o que eu estava indo fazer, não só eu, mas nós dois estaríamos em apuros. Eu realmente achei que poderia resolver tudo sozinha. Como eu estava equivocada.


Alys - Elemento Alpha [DEGUSTAÇÃO]Where stories live. Discover now