Mundo Cinza

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Lou

Lily havia me dito que Will estava na casa de seu pai. Fiquei encarando a porta da Granta House, sem coragem de bater. O que eu mais gostava no meu relaciona com o Will era a leveza e a facilidade com que conversávamos sobre tudo, a conexão quase mágica que tínhamos, e agora eu teria que pisar em ovos com ele e me explicar sobre os acontecimentos do dia anterior. Lily acreditou cegamente na minha palavra, mas eu não tinha certeza se Will faria o mesmo.

Dou três batidas vacilantes na porta, com o coração dando pulos. Poucos segundos depois, Steven atende, me dando um sorriso amarelo e constrangido, seu olhar indicava que ele já sabia de tudo. Será que ele achava que eu era uma vadia que traiu o filho dele? Ou pensava, assim como Lily, que foi tudo um grande mal entendido?

-Boa tarde, Senhor Traynor. -Falei, sem emoção.

-Bom tarde Louisa, não precisa me chamar de senhor.

-Ok, senh...Steven, pode me dizer onde Will está?

-Está no anexo, já vou avisando que o humor dele não está muito bom hoje...

Senti um arrepio percorrer minha espinha.

-Bem, eu já lidei com o mau humor dele antes. -Sorri e tentei parecer confiante.

Steven me acompanhou até o anexo e foi assistir futebol na TV. Fiquei observando Will por alguns segundos, tentando imaginar o que se passava pela sua cabeça. Ele estava de costas, perto da janela, olhando fixamente para algum ponto além dela, mas a verdade é que ele não parecia estar prestando muita atenção em nada, devia estar olhando para algum lugar dentro de si mesmo. Aquilo me lembrou muito os meus primeiros dias como cuidadora, ele ficava horas olhando para a janela com aquela mesma expressão vazia de sentimentos, as diferenças eram que agora ele estava de pé e sua irmã dormia tranquila em seu colo.

Oi, Will. -Tomei coragem e falei, com a voz trêmula.

Os dois segundos que ele demorou para responder pareceram uma eternidade.

-Oi, Louisa. -Ele parecia distante, aquilo não era nada bom.

-Acho que temos muito o que conversar, eu...

-Não temos absolutamente nada para falar um com o outro, senhorita Clark.-Ele interrompeu. Sua voz era calma, porém cortante como uma navalha.

-É óbvio que temos. Não seja babaca, Will, pelo menos ouça o que eu tenho pra te dizer. -Eu não queria ser grosseira com ele, mas a convivência com Will me fez perceber que, às vezes, essa é a única forma de se comunicar com ele.

Ele tentou não parecer espantado.

-Vou entregar a bebê pro meu pai e já volto.

Saiu do anexo em disparada e voltou alguns segundos depois, trancando a porta atrás dele.

-Então, o que você tanto quer conversar? -Seu olhar era desafiador.

-Você sabe muito bem qual é o assunto,o que você viu ontem...não é o que parece. -tentei passar confiança.

-Essa é a velha desculpa que todos usam, muito clichê. Você sabe fazer melhor que isso, Clark.

-Só estou dizendo a verdade. O Sam me agarrou à força! -Eu estava com ódio de Will por não acreditar em mim.

-Não é o que parecia, eu vi sua cara espantada quando me viu, e o rosto dele parecia dizer "você perdeu, babaca".

-Lógico que eu fiquei espantada, você me olhou como se quisesse me matar! -Lágrimas ameaçavam sair dos meus olhos, mas eu não iria permitir.

-Como você queria que eu te olhasse? A mulher que eu amava estava nos braços de outro homem.

Aquele "amava" me partiu ao meio.

-Como eu já te expliquei, ele me agarrou, eu não tive culpa, foi tudo muito rápido.

-E o que ele estava fazendo na sua casa? -Ele não estava convencido.

-Ele disse que só queria conversar e eu aceitei. -Admiti. -Eu não imaginei que ele fosse fazer aquilo.

-Quando eu voltei, antes de te ver em Nova York, Lily já havia me contado que você estava apaixonada por outro homem, que ele era um cara legal, mas eu ainda tinha chances com você...

-Eu amo você, Will. -interrompi. O que eu tive com ele foi para preencher o vazio que você deixou. Acabei me apaixonando, sim, mas quando você votou não sobrou mais espaço no meu coração pra ele.

-Eu acredito que você me ama, Louisa. -Sorri por dentro com aquela frase. -Mas você também ama ele, e quando ele foi na sua casa você não resistiu e o beijou.

-Não, Will, você está totalmente errado.

Ele continuou falando, sem dar importância ao que eu disse.

-Eu não consigo dividir nada com ninguém, Louisa, muito menos você.

-Não precisa...

-Você pode até me amar e voltar pra mim, mas continuará pensando nele. E eu não suporto essa ideia. -Ele abaixou a cabeça, os olhos brilhando de raiva.

-Não seja ridículo, Will. -As palavras saíram da minha boca sem eu controlar.

Ele me encarou, impassível, mas não disse nada.

-Você faz ideia do quanto essa desconfiança ofende e machuca? -Deixei as lágrimas caírem, livres, pra ele perceber.

-Você não está mais machucada do que eu. -Pude perceber que seus olhos estavam cheios d'água. E continuou.

-O caminho está totalmente livre pra você ser feliz com o seu paramédico. -Ele disse, por fim, encarando a janela, se enfiando em um mundo onde eu não conseguia entrar.

Senti como se eu tivesse acabado de levar uma chicotada. Fiquei paralisada por alguns segundos, absorvendo o que ele acabara de dizer. Como ele podia ser tão estúpido e não acreditar em mim? Eu só queria que ele dissesse que tudo estava bem, me puxasse para os seus braços e me beijasse, mas só recebi rancor e indiferença. Saí do anexo sem dizer uma palavra, e ele continuou encarando a porcaria da janela. Passei por Steven Traynor e não olhei pra ele, não estava afim de ser educada, mas pecebi que ele me observava. Bati a porta de saída com força e fui embora. Já do lado de fora, sem ninguém me vigiando, fui correndo até o meu carro. Entrei nele, buscando refúgio, me permiti chorar lá mesmo, tentando fazer todo o sofrimento se esvair junto com as lágrimas, e falhando miseravelmente. O buraco no meu peito só crescia, e a única pessoa capaz de me ajudar era justamente o motivo do meu sofrimento.

Eu o odiava por não confiar em mim, e o odiava ainda mais por amá-lo tanto.

Me recompus depois de cerca de meia hora, dei partida no carro e fui em direção à minha casa. A única coisa que eu podia fazer no momento era me trancar no meu quartinho, não queria ouvir a voz de ninguém, apenas a voz dos meus pensamentos.

O céu estava todo cinza, ia chover aquela noite.

Como Eu Sou Com VocêOnde histórias criam vida. Descubra agora