O silêncio domina a floresta tão rapidamente que se eu não estivesse atenta provavelmente não teria notado, mas, depois de tantos anos habituada ao ambiente, o silêncio é quase ensurdecedor. O meu alerta de perigo dispara e meu corpo enrijece instintivamente. Um pio de alerta reverbera pelas árvores, ironicamente, me relaxando. Alguns segundos depois o aerodeslizador se materializa bem em cima de nós.
- Nossa carona chegou. - Peeta diz e parece estar apenas pontuando o óbvio, mas o seu tom de voz infantil indica que ele não está falando comigo.
Em seus braços ele aninha a nossa filha, hoje completando um ano de idade, e eu aproveito para observar a ambos. Tantos anos se passaram desde o dia em que eu reparei em Peeta pela primeira vez que eu quase não consigo acreditar que ele está realmente na minha frente. Tínhamos apenas onze anos naquela época! Mas desde que nos encontramos nos Jogos Vorazes, a aparência de Peeta pouco se alterou. Seu rosto adquiriu linhas mais graves e algumas marcas de expressão ao redor dos olhos, que no futuro se tornariam rugas. Marcas que o tempo aflige a todos. Mas em seus olhos eu ainda conseguia ver o mesmo brilho que sempre me fascinou.
Eu olho então para minha filha em seus braços. Tão parecida comigo quando nasceu, os cabelos lisos, escuros e finíssimos já ocupavam todo o seu couro cabeludo desde o primeiro momento de vida. Sua pele cor de oliva a marcava como uma descendente da região da Costura, assim como eu, Haymitch ou Gale. Mas quando ela abriu os olhos pela primeira vez, eu percebi que o destino não poderia ter sido mais bondoso comigo. Minha pequena Jennifer puxou os magníficos olhos azuis do pai, só que os dela eram ainda mais cristalinos que os dele e, onde eu via em Peeta uma profundidade capaz de me submergir, nela eu via toda a pureza que o mundo ainda preserva.
Sou arrancada do meu devaneio quando Peeta pergunta:
- Katniss, você não vem? - Percebo que o aerodeslizador já pousou e está apenas nos esperando embarcar. Também reparo que estava com um sorriso idiota no rosto.
- Claro. - Eu respondo, readquirindo a compostura e adentrando na aeronave.
Pouco tempo depois, pousamos silenciosamente na Vila dos Vitoriosos. O sol já adquiriu todo o seu fulgor matinal e o frio da noite já ficou para trás então a primeira coisa que faço é tirar a antiga jaqueta de caça do meu pai. Com Jennifer no colo, entro na casa empoeirada que Peeta ganhou ao vencer a 74ª edição dos Jogos Vorazes. O lugar mais parece uma mansão abandonada, mas um dia foi o nosso lar. Eu ignoro as semelhanças tão gritantes com a casa que eu ganhei ao vencer a mesma edição dos Jogos ao lado dele. Ao contrário dessa casa, a minha apenas guarda os meus piores fantasmas.
- Temos muito trabalho a fazer. - Eu anuncio com um suspiro.
Peeta corre os olhos pela casa. A poeira tomou conta de cada centímetro possível, teias de aranha se espalham pelo teto e o vidro nas janelas está tão sujo que quase não permite entrada de luz.
- Ideia sua. - Peeta fala com um sorriso. - Você quem preferiu fazer a festinha de um ano da Jennifer aqui ao invés de fazer na cabana.
- Eu sei. - Respondo com um novo suspiro. - Mas você sabe que é melhor assim. Não teríamos espaço suficiente dentro da cabana e aposto que a Effie não se sentiria nada confortável na floresta, assim como a minha mãe.
- E eu concordei. - Ele diz. - Não estou contra você, apenas te lembrando que todo esse trabalho foi ideia sua.
- Que bom que tenho você para me ajudar! - Eu falo antes que ele tenha a chance de fugir.
- E claro que eu vou ajudar! - Ele responde, com um olhar divertido. - Mas primeiro tenho que ir na cidade e comprar os enfeites pra festa! Não foi esse o combinado? Effie e eu ficamos com a decoração, você e Haymitch cuidam da limpeza.

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Jogos Vorazes - Cicatrizes
FanfictionApós a revolução, a vida em Panem está voltando ao seus eixos. A presidente Paylor tenta fazer com que a Capital e os Distritos se entendam em uma tentativa de manter a frágil paz conquistada, evitando a destruição total da raça humana. Novos prefei...