Capítulo 7

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O toque do interfone deixou a Sammy agitada e eu a entendi perfeitamente, já que também ficava daquele modo quando recebíamos visitas. O sorriso radiante que recebi ao abrir a porta fez meu coração saltar uma batida.

Expliquei que estudaríamos no conservatório porque a minha mãe estava usando o escritório. Ofereci uma bebida. Fui gentil o quanto pude, e ela retribuiu a minha gentileza com mais sorrisos radiantes. Após nos acomodarmos, pedi que ela lesse um capítulo do livro e em seguida respondesse aos exercícios.

Aquela mania de morder a caneta enquanto lia sempre atraía o meu olhar. Ela estava usando um batom claro e brilhante, que deixava os lábios cheios e convidativos. O gesto distraído de passar a ponta da língua por eles me fez desejar fazer o mesmo.

— Oi, garotos. — A voz da minha mãe me causou um sobressalto, o que chamou sua atenção. — Tudo bem, Augusto?

— Está — respondi, meio encabulado.

— Eu recebi um telefonema do hospital e preciso ir até lá resolver um problema, mas você pode ficar à vontade, Jennifer.

— Agora?! — perguntei, ansioso.

— Na verdade, eu já estou atrasada — afirmou, já nos dando as costas.

— Mãe — chamei, me pondo de pé rapidamente. — Eu já volto, Jennifer.

— Diga, meu anjo — ela remexia tranquilamente na bolsa, como se não soubesse que estava me matando ali.

— Não pode esperar o meu pai voltar?

Eu tinha plena noção do quanto era irracional me sentir intimidado por uma garota com vinte centímetros e uns vinte e cinco quilos a menos do que eu, mas desde aquele maldito dia, qualquer coisa que fugisse da minha rotina era capaz de me fazer ter um ataque de pânico.

— Não posso. Eu preciso estar lá o quanto antes. — Ela me pedia desculpas com os olhos enquanto caminhava na minha direção. — A Jennifer é sua colega, não uma estranha. Aproveite a oportunidade pra voltar a socializar. Você precisa disso. Agora vá estudar. — Beijou o meu rosto e saiu, me deixando com o olhar pregado na porta da frente, sem acreditar que ela tinha feito isso comigo.

Contive a vontade de pedir à Jennifer para ir embora e tentei racionalizar, como Mark me dizia para fazer quando eu me sentia ansioso demais. Eu a conhecia e ela era delicada demais para ser uma ameaça. Voltei ao conservatório com isso em mente.

— Você demorou. Está tudo bem?

— Está. Terminou? — Voltei a sentar do outro lado da mesa e mantive os olhos focados em um livro qualquer.

— Terminei.

— Então leia o próximo capítulo enquanto eu corrijo seus exercícios. — Estendi uma mão para pegar os papéis e acabei derrubando todos no chão.

— Deixe que eu pego, desastrado. Por que sua mão tá tremendo?

— Frio. — Coloquei as mãos nos bolsos enquanto ela recolhia os papéis.

— Sei... Você tem algum problema comigo? — questionou sem me encarar.

— Por que eu teria um problema com você, Jennifer? — Coloquei descaso na voz para fazer aquilo soar como uma ideia ridícula.

— Eu não tenho a menor ideia, mas parece que você tem. Não é a primeira vez que eu percebo que te deixo nervoso.

— Você é doida. Eu só... — Levei uma mão ao cabelo sem perceber, enquanto tentava pensar em uma desculpa. — Eu só pensei que não seria bom pra sua reputação ficar sozinha comigo.

— Reputação? — Ela me encarou. Uma sobrancelha se ergueu. — É brincadeira, né? De que século você é, Augusto?

— XIX, como o personagem do livro de onde a minha mãe tirou o meu nome.

— Humm, então a culpa é de um livro. Eu queria mesmo saber por que você se chama Augusto, e não August. Me conte sua história, senhor.

— O meu nome está em português porque a minha mãe ganhou um livro de uma amiga brasileira viciada em romances quando fez treze anos. Aparentemente eu sou um maravilhoso estudante de medicina que deixa Carolina de quatro.

— Eu posso entender Carolina. — Fui incapaz de impedir uma pequena risada com o comentário antes de continuar meu relato.

— O nome do livro é A Moreninha. Ele não foi traduzido pro inglês, então a própria Clara teve o trabalho de traduzir. Ela quis dar à minha mãe um presente significativo, assim como acontece na própria história, já que estava voltando pro Brasil. A minha mãe guarda até hoje com todo carinho.

— Que triste! Elas ainda têm contato?

— Tem. A Clara já nos visitou e nós fomos ao Brasil conhecer a filha dela quando ela nasceu, há uns três ou quatro anos.

Meu olhar passou por acaso pela estante atrás da Jenny e um ponto preto por trás dos DVDs chamou minha atenção.

— E os seus pais já com um filho de dezessete. Que diferença.

— Eles me encomendaram muito cedo — respondi voltando minha atenção para ela.

— Percebi. Quantos anos eles tinham?

— Dezesseis.

— Nossa! — exclamou com os olhos arregalados.

— É, eu sei, mas eu fui um bebê bonzinho. Acho que eu dou mais trabalho agora.

O som de sua risada preencheu o ambiente.

— Você é certinho demais pra dar trabalho aos pais, Augusto. — A insinuação de que a minha vida era monótona, embora fosse verdadeira, me irritou.

— Você nem me conhece, garota! — exclamei, recolhendo os papéis que ela havia colocado sobre a mesa, com a intenção de voltar ao trabalho.

— Facilmente solucionável. Quer provar que não é certinho? — Ao apoiar os cotovelos sobre a mesa, a gola larga da blusa se afastou, deixando à mostra mais do que deveria, o que me fez engolir em seco. — Vamos largar tudo agora e sair pra aproveitar o resto da tarde.

Eu não precisava sair para provar nada. A prova de que eu não era tão certinho assim estava viva e começando a cutucar o zíper da minha bermuda por causa daquela visão. Felizmente a mesa entre nós escondia o que estava acontecendo ali embaixo.

Seguindo a direção do meu olhar, ela percebeu o que estava expondo para mim e se ajeitou rapidamente, me fazendo sorrir ao perceber quem era a certinha, afinal.

Não falamos nada nem nos olhamos por um momento, até que ela limpou a garganta e continuou a conversa como se nada tivesse acontecido, me fazendo invejar sua capacidade de se recuperar rapidamente de uma situação constrangedora.

— Seus pais sempre trabalham nos finais de semana? A minha mãe trabalha em alguns. Por coincidência, ela também é médica.

— Não é tanta coincidência — falei depois que o sangue retornou ao cérebro. — O Henry Clark é um colégio bem caro, então muitos alunos dele são filhos de médicos, advogados e engenheiros. E, não, a minha mãe não trabalha fim de semana. Ela coordena um banco de sangue e só vai lá fora do horário comercial quando acontece alguma coisa. O meu pai está pedalando agora, não trabalhando. Ele dá aula no curso de direito da Universidade de Warwick e também só trabalha de segunda a sexta.

Novamente encarei o pequeno ponto preto no móvel e a curiosidade para saber o que era aquilo começou a me corroer. Jennifer perguntou o que eu tanto olhava e eu resolvi ir ver o que era, porém antes de eu chegar lá, a porta da frente bateu com um estrondo e o meu pai gritou que precisava da minha ajuda lá fora.


Recomeço (Amostra)Onde histórias criam vida. Descubra agora