Capítulo VIII

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Robert

Não.
Esta foi a resposta de Linda ao meu pedido. E quem poderia culpá-la?
Eu tinha pelo menos mil coisas diferentes para dizer a ela e escolhi as piores palavras para expressar como me sentia. Já devia ter aprendido, a essa altura, que, para Linda, o fato de eu precisar dela não era algo bom. Ao contrário.
Desculpas não eram mesmo o meu ponto forte, disso nós já sabíamos, mas o que mais eu poderia dizer?
Que sentia muito? Ela não me deixou concluir esse pensamento nem mesmo meses atrás, quando foi à empresa gritar comigo e esfregar o testamento de Frederick no meu nariz.
Que sentia falta dela? Eu disse isso uma vez, e não surtiu efeito algum.
O que mais eu poderia dizer, senão que precisava dela? E desta vez não tinha a nada a ver com uma cláusula estúpida em um testamento estúpido, tinha a ver com o fato de eu sentir falta da vida que partilhávamos, dos momentos de paz que antecederam todo este caos atual.
Por isso quando a vi, tão perto, tão exatamente igual e diferente, ao mesmo tempo, minhas mãos não me obedeceram e foram ao seu encontro. O contato com a pele cálida e macia era bem diferente de como me lembrava. Era melhor. As maçãs do rosto pareciam mais finas que antes, mas isso não mudava a sensação de acariciar-lhe a face e tocar seus lábios com meu polegar.
Na verdade, eu queria beijá-la. Sentir os lábios tépidos contra os meus e saber que a sensação esplêndida me inflando o peito também se apossava de cada pequena parte do corpo de Linda.
Foi quando me lembrei dele. O homem em seu apartamento, responsável por fazê-la sorrir e manter a expressão descontraída no rosto dela, a qual ruiu no momento em que seus olhos me encontraram. Ela se tornou outra Linda a partir daí, chorando sem saber a razão exata, tensa, nervosa e com expressão ressentida.
Parecia um pouco mais velha do que era de fato. Certamente, mais velha do que a mulher com quem me casei e que costumava me regalar sorrisos doces, gentis e acolhedores. O brilho de ingenuidade não estava mais presente em seu olhar nem em traço algum, e tal percepção foi como um golpe em meu estômago, porque eu sabia ser o causador das mudanças pelas quais Linda passou.
Por outro lado, ouvi-la dizer que não me odiava tornava-me incapaz de recuar e apenas deixá-la seguir em frente. Certo, ela também disse não ser capaz de perdoar a nenhum de nós dois por tê-la sujeitado a tamanho sofrimento. Mas se fosse eu a curar as feridas que causei… talvez fosse o bastante para que ela percebesse que funcionávamos bem juntos, mesmo com minha inabilidade para romance.
***
— William Stewart? — Torci o nariz. — Esse nome é ridículo, você só pode estar de brincadeira.
— Não é um nome ridículo, você que é implicante. É diferente.
Elizabeth colocou um pouco mais de mostarda sobre sua porção de lagosta, saboreando logo em seguida como se fosse o prato mais delicioso do mundo. Meu estômago embrulhou, então desisti de comer. Limpei os lábios com o guardanapo e o depositei sobre a mesa logo em seguida.
— Você não quer mais? Posso comer o que deixou no prato? — Sem esperar por uma resposta, ela pegou a porcelana à minha frente, levando para junto de si e acrescentando às sobras quantidades generosas de mostarda, ketchup e molho barbecue.
Ignorei o fato de aquela ser a combinação mais estranha e nojenta que já vi, bem como Lizzie ter desejos estranhos mesmo já com a gestação tão avançada. Ative-me à informação de meu interesse.
— Você sabia que Linda estava vendo alguém e não me contou. Por que me fez acreditar que ela estava sozinha e inclinada a uma reconciliação?
Para fugir da pergunta, Elizabeth colocou na boca uma porção maior do que conseguiria mastigar, dificultando a comunicação entre nós. Ainda assim, esperei pacientemente.
— Primeiro: ela não está “vendo alguém”, Will e ela têm um relacionamento. Segundo: você não me perguntou nada. Terceiro: eu disse pra você se explicar, deixando claro que não podia ajudar tanto quanto gostaria, porque ela não me dava abertura para falar muito de você. Robert, são três meses. Três. Meses. Por que não a procurou antes? Por que deixou que ela fosse embora, para começo de conversa? — exasperou-se.
— Eu não a deixei ir embora. Acha que ela pediu minha permissão? — bufei. — Eu a vi no escritório, Elizabeth, e, então, quando cheguei em casa, ela tinha simplesmente desaparecido.
— E você achou bem confortável assim, não foi? Porque então não precisaria se explicar, pedir desculpas e assumir que errou.
A raiva que cresceu em mim não foi súbita, eu bem sabia. Ainda assim, ser acusado daquela forma justo pela pessoa que deveria estar ao meu lado, tentando entender meu posicionamento, não era de grande ajuda para tentar conter os ânimos.
— Ela não me deixou pedir desculpas. Eu tentei — disse por entre dentes cerrados. Minha vontade era esbravejar com Elizabeth, fazer em destroços a porcelana cara em que ela servira o jantar e dar-lhe as costas. Mas não o fiz. Em vez disso, cruzei as mãos sobre a mesa e completei: — Você não entende, não é tão fácil quanto parece ser, Linda…
— Não fale como se tivesse sido injustiçado, por favor — cortou-me, impaciente. — Você não é um pobre coitado em toda essa história, Robert.
As palavras dela me pegaram de surpresa, retardaram qualquer reação ou resposta inteligente que pudesse ter.
— Você… é inacreditável — soltei, na falta de palavra melhor que pudesse descrevê-la. — Foi por isso que me disse para ir atrás dela? Para esfregar o fato de Linda estar feliz com outro homem?… Elizabeth!
De súbito, ela também pareceu perder o interesse pela comida. Afastou o prato, limpou os lábios e trouxe seus olhos verdes para mim. Era impressionante como, ultimamente, olhares magoados eram tudo o que eu conseguia obter das pessoas com quem me importava.
— O que você fez não foi justo! Eu queria que visse o que perdeu.
O maxilar trincado era o sinal físico do que se passava dentro de mim, contudo, não pareceu fazer Elizabeth titubear ou considerar a postura que assumira.
— Eu sei o que perdi, Elizabeth, não precisava ver Linda se esfregando em outro cara para me dar conta.
Ela ergueu as sobrancelhas, em resposta, porém não parecia arrependida do que fizera. Não condizia muito com a postura de Lizzie, o que não a impediu de assumi-la, de qualquer modo.
— Desculpe. É que… Will… ele é incrível. — Deu de ombros, uma das mãos alcançando uma taça com água. Lizzie sorveu um longo gole, sem pressa.
— Pare com isso, por favor — pedi, porque sabia que ela estava longe de pôr um fim à minha aflição. Eu poderia ir embora e deixá-la sozinha ali, sabia disso, contudo, havia uma parte em mim que queria escutar a absolutamente tudo o que ela tinha a dizer. Poderia ser uma forma de obter Linda de volta, e eu iria muito longe para tê-la ao meu lado outra vez.
— Calma, me deixa terminar. Bem, ele é incrível e faz Linda feliz… — Lizzie fez uma pausa agonizante, impacientando-me. Os olhos verdes abrandaram um pouco, deixando de lado a postura mais arredia de agora minutos atrás. — Mas… Mas ele não é você.
Eu não sabia explicar muito bem o que senti quando aquelas palavras irromperam pelos lábios de Elizabeth, no entanto, meu peito se aqueceu de imediato. A sensação não durou por muito tempo, contudo, porque cedo demais a percepção me atingiu.
Will e eu não éramos a mesma pessoa, e sim extremos opostos.
— Isso explica por que Linda gosta dele.
Elizabeth soltou um bufar incrédulo, irrequieta.
— Ela ama você, Robert. Meu Deus! Ela aceitou se casar com você. Será que não percebe que é isso o que faz doer tanto? Se ela te amasse menos, se você importasse menos… também doeria menos.
As palavras dela me trouxeram um gosto amargo à boca. Eu conseguia me lembrar bem da expressão magoada no rosto de Linda, de todas as coisas que ela me disse antes de me dar as costas, meses atrás, e desaparecer da minha vida. Eu cheguei a acreditar que o apartamento vazio nos primeiros dias e, depois, minha mudança para a mansão eclipsariam os meses que passamos juntos. Foi um ledo engano.
— Isso deveria fazer com me sentisse um pouco melhor? — consegui perguntar um tempo depois. — Porque, sendo bem honesto, não faz.
— O que vocês conversaram? — quis saber, ignorando minha pergunta por completo.
Talvez eu devesse dizer a ela, compartilhar o fardo e pedir ajuda para entender aquilo que eu não conseguia. Em vez disso, fiz um gesto de descaso com uma das mãos.
— Não importa. Não mudou nada.
— Isso quer dizer que você estragou tudo, não foi? — questionou tristemente, os ombros murchando de pronto.
— Não tinha muito o que estragar, na verdade. Ela tem outro cara… o que quer que ela faça? Que deixe Phill pra ficar comigo? — escarneci.
— É Will.
— Não estou nem aí para o nome dele.
— Diga a Linda como se sente — insistiu. — Seja honesto. Cem por cento honesto, como não está sendo comigo. Como não está sendo com você.
— Que quer dizer?… — Franzi o cenho, sem saber aonde ela queria chegar. A percepção me atingiu um segundo depois, quando minha irmã lançou seus olhos verdes ao meu encontro. O brilho deles foi como um soco que me acertou em cheio. — Elizabeth — comecei, tentando ao máximo ser gentil ou, ao menos, não parecer tão rude —, você é uma romântica incurável, eu entendo, mas entre mim e Linda… eu não… Não é exatamente assim. — Não fui articulado o bastante, a prova disso era a lividez no rosto de Lizzie e a estranheza dentro do meu peito. — Não estou… me sentindo como você acha que eu estou — reiterei, esperando que, desta vez, fosse melhor compreendido que antes.
— Apaixonado? — testou, a voz saindo num sussurro quase inaudível.
— Exatamente.
Lizzie meneou a cabeça diversas vezes, a boca se abrindo e fechando, até que, por fim, ela voltou a me encarar.
— Então o que é isso que sente por ela, Rob? — O tom baixo e decepcionado me desarmou um pouco mais e era como se as últimas esperanças de Lizzie, referentes à minha redenção por tudo o que fiz com Linda, se esvaíssem ali.
— É complicado. Eu não… não sei como colocar em palavras, Elizabeth, não sou bom com elas.
Recebi mais um olhar magoado, naquela noite, mas não durou muito. Com um novo meneio de cabeça, assisti ao olhar de Lizzie se transformar em ultraje e cólera em menos de um milésimo de segundo. O rosto foi tingido de vermelho e a voz mais parecia um silvo quando ela voltou a falar.
— Se não é bom com palavras, então guarde-as para si mesmo e não faça com que Linda perca tempo ouvindo o que você não tem a dizer — cuspiu, levantando-se em um movimento tão abrupto que o equilíbrio lhe faltou por um instante ou dois.
Apressei-me para socorrê-la, mas ela se esquivou, afastando minhas mãos num movimento rude e agressivo, deixando-me completamente imóvel e sem reação.
Perplexo, pisquei uma e outra vez, mal acreditando no que acabara de acontecer. Talvez fosse a gravidez, talvez fosse o enorme carinho e empatia que Elizabeth nutria por Linda. De qualquer forma, foi a primeira vez que ela saiu magoada de uma discussão e correu de mim, em vez de para mim.
Tantas e tantas vezes, eu fui o consolo de Elizabeth, sempre acalentando-a em meus braços quando o fardo se tornava pesado demais e ela precisava dividi-lo com alguém. Em silêncio, eu a deixava chorar baixinho, a cabeça em meu peito e as mãos me apertando até não poderem mais. Entretanto, não hoje. Eu não era seu alento, e sim quem lhe fazia mal.
Dando a noite por encerrada, fiz o caminho até a mansão Blackwell, onde passaria mais uma das inúmeras noites solitárias que vinham me acompanhando, desde que Linda me abandonou. Foi impossível, então, me perguntar em que momento deixei de ser eu mesmo e me tornei uma cópia tão fiel de Frederick, quando todo o propósito de me casar com Linda foi justamente desafiá-lo e não me dobrar aos seus desejos.

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Notas:
Oi, gente. Primeiramente, mil perdões pela demora na atualização. Eu disse que com essa de bienal as atualizações seriam prejudicadas, lembram?
Bem, eu cheguei de São Paulo bem doente, com intoxicação e tudo o mais. Mesmo assim, tive que voltar a trabalhar. Não vivo de literatura, infelizmente, tenho um trabalho "que paga as contas" e estava me dedicando a ele 14 horas por dia.
Não havia mesmo tempo ou forças pra escrever. Desculpem.
Não é falta de consideração, acreditem mesmo.
Hoje respondi a algumas mensagens e tudo o mais, vou continuando à medida que o tempo surgir, okay?
Obrigada pelo apoio até aqui. ❤

Doce Amargo - Livro IIOnde histórias criam vida. Descubra agora