Vinte e Nove Dias Antes

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Sou acordada por uma senhora de cabelos brancos, que me diz que devo estar pronta para o café em meia hora, por isso preciso levantar. Não gosto de ter uma estranha no meu quarto, mas tento me lembrar que não estou mais em casa, que agora as regras são outras e que, provavelmente, eu não posso passar o dia deitada na cama.

Me visto rapidamente, então sou levada por corredores com pisos e paredes brancos para que eu escove meus dentes e lave meu rosto. Não me permitem prender o cabelo, mas não faço questão. A senhora de cabelos brancos me acompanha em silêncio, apenas apontando o caminho que devo seguir e o que devo fazer. Quando chegamos ao refeitório, percebo que todos recebem uma dose de remédio, menos eu. Acho que estão esperando as ordens do meu novo tratamento.

- Sabe, você deveria comer alguma coisa – a senhora de cabelos brancos me instrui, mas não sinto vontade de comer nada, então apenas empurro a bandeja alguns centímetros para a frente – quem sabe comer lá fora?

Ela aponta um grande arco que deve servir como porta, mas ir para fora não me fará comer, apenas vai me dar medo. Não gosto de ambientes muito abertos, eles me fazem sentir exposta, qualquer um deles pode me achar se eu estiver em um ambiente aberto e não na segurança do meu quarto.

- Senhorita Vieira? - levanto a cabeça ao ouvir meu sobrenome. Quem me encara é o médico de ontem, com o mesmo sorriso bem treinado no rosto – Como passou a noite? – Não respondo, eu não tomei o remédio de dormir, a noite foi pior que o normal – você poderia me acompanhar ao consultório?

Me levanto e começo a segui-lo por corredores que parecem os mesmos de antes do café, mas meu senso de direção diz que não são. Chegamos a uma porta e ele a mantém aberta para que eu passe, entro sem olhar nos olhos dele. A sala é branca, como eu esperava, com dois divãs, um rosa e um azul, além da poltrona amarela entre as duas. Vejo uma pasta ao lado da poltrona, provavelmente o arquivo dos pacientes e uma ficha em branca na mesinha de centro, me esperando.

- Tem preferência de cor? – Ele pergunta, como se não tivesse real interesse na resposta.

- Gostava de rosa – dou de ombros e me sento no divã, sem deitar.

- Não se sente à vontade para deitar? – Balanço a cabeça, negando – Tudo bem então.

Ele se senta na poltrona amarela, pegando a ficha nova nas mãos. Noto que ele não falou nada sobre eu usar o verbo no passado e me sinto grata, cansei de todo mundo me perguntando esse porquê nos primeiros meses. Ele escreve algumas coisas na ficha e depois, para meu espanto, tira pães de queijo de uma bolsa que não notei que estava lá.

- Está servida? Eu não gosto da comida daqui, então sempre trago alguma coisa.

- Não quero, obrigada.

- Se importa se eu comer?

- Não – ele pega um pão de queijo e joga na boca, piscando para mim.

- Eu sinto muito por fazer você vir para cá, de verdade, mas todos precisamos de um descanso – confirmo com a cabeça – eu sei que tem coisas que você ainda não está pronta para falar, tenho o relatório do seu médico anterior, mas achei que devíamos conversar um pouquinho todos os dias, sobre o que você quiser falar.

- Não gosto de conversar – tento soar educada, mas sei que fui grossa.

- Você não é obrigada a falar comigo, mas eu gostaria muito que você tentasse, sobre qualquer coisa. Que tal você determinar o assunto e eu faço algumas perguntas? Você pode responder como quiser e, se não quiser, pode me pedir para fazer outra.

Me EsperaWhere stories live. Discover now