Capítulo 3

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Uma respiração suave próxima ao seu rosto foi a primeira coisa que Branca sentiu quando despertou. A primeira coisa que viu ao abrir os olhos, foram íris verdes. Os olhos dele a fitavam com um carinho que ela tinha tentado esquecer, mas não foram seus pensamentos negativos que quebraram todo o encanto da cena, e sim as palavras dele:

— Se queria um beijo, era só ter pedido, querida. Não precisava ter posto uma maldição do sono sobre si mesma para consegui-lo.

Ele realmente é um desgraçado.

Branca conteve o instinto de revirar os olhos, mas não pode conter o suspiro. Ele estava próximo, próximo demais. E, ah, Deus, ela tinha acordado. Sua madrasta dissera, quando lhe ensinara a lançar a maldição, que nada além de amor mútuo e verdadeiro seria capaz de quebrá-la. Não tinha mais como negar ou tentar se forçar a esquecer, tinha?

Branca rolou para o lado e agarrou o lençol com força.

— Eu realmente te amo — lamentou. — Eu sabia disso, mas não esperava que fosse tanto.

— Eu certamente apreciaria mais se você não dissesse isso como se fosse uma sentença de morte — ele respondeu com um toque de divertimento —, mas como fui ignorado durante um bom tempo nesses últimos anos, eu acho que deveria aceitar essa declaração como um bom sinal, certo?

Virou a cabeça, para olhá-lo por sobre o ombro. Kendare agora estava deitado ao seu lado, o queixo apoiado numa mão, e olhava-a de cima com o semblante calmo.

— Essa união gerará revoltas, Ken — disse ela, baixinho.

— Eu sei — ele concordou. Agora, havia um tom de seriedade em sua voz que ela não pode ignorar. — Só precisamos fazê-los aprovar isso aos poucos. O casamento será duplamente benéfico, então, ao menos os nobres aceitarão com mais facilidade.

— Não é com eles que me preocupo.

— Contudo, o apoio deles é essencial — esse era outro ponto no qual ela não tinha palavras significativas o suficiente para rebater. — Tenho dois motivos além do óbvio para ter feito o pedido de casamento oficial agora, querida — Kendare ergueu dois dedos. — Um: Os conselheiros estão me enchendo para encontrar uma rainha a altura e os nobres vem descaradamente empurrando suas filhas para cima de mim. Dois: Snow está cada vez mais vulnerável. Cristabell pode ser uma boa rainha, mas ela precisa que mais alguém a ajude a pôr este reino em ordem, alguém que o proteja. Como eu não quero de modo algum me casar com a sua madrasta e te amo, tem que concordar que esse é o melhor arranjo.

Voltando a posição inicial, Branca franziu a testa um pouquinho. Kendare falava tudo com tanta naturalidade que tais assuntos nem pareciam importantes. Ele era do tipo de pessoa que poderia dizer eu te amo como se fosse tão normal quanto respirar. Branca sempre admirou esse seu lado.

Talvez não tivesse sido uma boa ideia ir aquele lugar testar a intensidade do seu amor por ele. Testar o quanto tudo aquilo valia a pena. A partir do momento em que abriu os olhos — talvez até mesmo antes — suas crenças passaram a ser reduzidas a escombros. Ela lembrou como era amá-lo mesmo com todos os defeitos. Mesmo com tanto sangue e pecado interrompendo sua história.

— Sabe, eu gostaria de ter conseguido impedir aquela guerra, ou ao menos, interrompê-la antes — Branca não sabia se ele tinha visto algo em seu rosto que o fizera tocar naquele assunto, mas ouviu as palavras sinceras sem nada dizer. Precisava deixá-lo falar aquilo que ela sempre ignorou ouvir. Precisava deixar de ser covarde. — E não queria ter lutado nela. Não imagina o quanto tentei fazer meu pai me ouvir, mas ele estava tão cego de ambição… E eu era apenas um príncipe. De frente a ele, não passava de um mero soldado. — Kendare riu, com amargura. — O “grande rei de Arriet” fazia seu jogo usando até mesmo os filhos como peões. Não importava quem eu tivesse eu meu lado, nunca seria uma pessoa poderosa o suficiente para pará-lo. E, por mais que pareça cruel da minha parte dizer, me senti aliviado quando tudo acabou. Quando ele morreu no campo de batalha criado por sua própria ambição, pelos seus desejos egoístas.

Pecado [Conto]Where stories live. Discover now