Capítulo II - Os novos amigos de Luke

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Em dois meses, desde que toda essa merda no mundo começou, acho que foram seis ou sete vezes que a vida do Luke ficou por um fio, como na explosão do carro da família da Elisa, no dia que saímos de Huron City, ou na vez em que ele foi cercado por uns dez zumbis no meio da rua, mas conseguiu se salvar subindo no alto de uma árvore, e depois foi pulando de galho em galho até cair dentro de um quintal de uma casa cercada por muros fortes, onde ficamos por duas longas semanas, e quase morremos de fome, ou até mesmo quando ele teve uma febre tão forte que chegou a ter alucinações, ouvindo e vendo, segundo ele, os pais e o irmão por todos os lados. Quando ele jurou estar vendo a mãe dele lá fora na rua sendo atacada por zumbis, e começou a insistir em querer ir lá fora para ajudá-la, minha avó o acertou com uma garrafa de vidro na cabeça e ele caiu desacordado, e ficou assim por dois dias, e quando ele acordou, estava bem melhor.

Essa intimidade que ele criou com a morte, por ficar tantas vezes cara a cara com ela, com certeza é por causa de ser ele quem está sempre à frente de qualquer plano que nós quatro arquitetamos. É por ele ser o mais ágil e forte dos quatro, conseguir derrubar um zumbi antes mesmo de sentir o cheiro podre dele, e ter um espírito protetor maior do que qualquer pessoa que conheci, exceto o da minha avó, é que ele sempre se voluntaria para ir atrás dos suprimentos, abrir caminho, conferir o quão seguro é um local e se colocar entre nós e o perigo sempre. Essa motivação que ele tem, creio eu, é por causa da promessa que ele fez, gritando debaixo da chuva no meio de uma estrada deserta, que ele iria encontrar a família dele, depois que ele não a encontrou na estrada pra fora da nossa antiga cidade, no dia que fugimos de lá. E agora ele está correndo risco de vida de novo, por nós. 

Precisamos parar de depender só dele. Penso.

- Dona Olga, desde quando a senhora tem uma arma? – Elisa pergunta, no corredor de volta ao cômodo onde geralmente passamos o dia e a noite, me tirando desses meus pensamentos.

- Eu... encontrei por aí. – A minha avó respira com dificuldade, é difícil pra ela, com seus quase setenta anos, subir e descer escadas e percorrer corredores tão compridos.

- E desde quando a senhora sabe atirar? – Ela pergunta de novo.

Ela respira fundo, e os olhos dela parecem encher de lágrimas.

- Meu pai me ensinou.

Imagino como deve ser difícil pra ela viver tudo isso agora. Pra quem viveu boa parte da vida no campo, cuidando dos filhos e outra parte morando em uma pequena cidade fazendo doces e crochê para vender, passar a viver de cidade em cidade catando a comida que encontrar, matando e fugindo de mortos vivos, passando fome e ficando várias noites sem dormir, é uma mudança muito brusca e exaustiva. A saudade da sua antiga vida tranquila na fazenda desse ser maior agora.

- Céus! Luke, o que aconteceu com você? – Pergunto surpreso assim que entro no cômodo onde ele está, deitando sobre um sofá, todo machucado, assim como minha avó disse.

Ele está com o rosto inchado, sangrando pelo nariz e boca, sujo de lama e com um dos braços imóvel que ele mantém junto ao corpo.Ele abre um dos olhos, porque o outro está tão inchado que nem consegue abrir.

- Uns caras... seis deles eu acho, estão nas redondezas... – Luke tem dificuldade em falar. – Eles são barra pesada.

- Pegaram você? – Elisa pergunta.

- Sim. – Ele aperta os olhos de dor.

Minha avó entra na sala minutos depois trazendo um kit de primeiros socorros e uns ramos de alguma planta.

- Onde a senhora encontrou isso? – Elisa Pergunta.

- Mais perguntas... – Minha avó parece estar perdendo a paciência. - Bom, essas folhas... eu achei lá embaixo atrás do prédio hoje cedo. Essa caixinha de remédios eu achei num banheiro aqui do lado, onde que você inclusive disse que tinha feito uma busca.

- A senhora não deveria andar por aí sozinha, ainda mais lá embaixo. – Elisa diz.

Minha avó olha pra ela com um olhar fixo, desaprovando totalmente o comentário de Elisa. Acho que minha avó nunca gostou muito dela, nem mesmo antes desse caos no mundo, talvez porque Elisa sempre teve uma personalidade rebelde e aventureira que minha avó não gostava em uma garota, e receber ordens de uma garotinha como ela, como minha avó diz, é o fim da picada.

- Moças... – Digo, antes que minha avó faça um comentário que piore a situação. – Precisamos conversar sobre os novos amigos do Luke.

Mesmo machucado, Luke consegue alcançar um livro sobre a mesinha do lado do sofá com o braço bom e jogá-lo na minha cabeça. 


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⏰ Last updated: Nov 03, 2016 ⏰

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