Morte a bordo

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Um conto de Thiago H.N D'arc

Morte a bordo


O Dr. Lester de Vigo sempre tinha o mesmo pesadelo: Seus pés descalços pisando em areias frias de um mundo desconhecido, um distante e vazio lugar que ultrajava a razão. Um mundo que ele jamais conhecera, mas que por algum motivo sabia ter existido em algum lugar no tempo, cheio de vidas degradantes e ansiosas para devorarem a vida do próximo. Um mundo que por algum capricho da realidade vivida, havia deixado de existir.

Só então, ao se dar conta desses perturbadores sentimentos que trazia a tona as dúvidas sobre suas dúvidas, seus pés começavam a ficar pesados e inertes, e os dedos se enrugavam por completo enquanto a areia gelada se transformava em água salgada, impregnada por mãos molhadas que disputavam os pedaços de seu corpo, completamente entregue e pesado, até o momento em que seu coração palpitava tão forte e ele finalmente acordava aos pulos numa cama de seda.

Seu pesadelo era seu segredo, pois Lester de Vigo era um médico a bordo de um navio negreiro, e o medo da morte em pleno mar não seria bem visto pelos outros tripulantes da embarcação que há dias navegava de volta para casa, num constante balançar das ondas, levando em seus porões uma multidão de escravos.

Na fatídica tarde da partida, a baía de Santo Orfeu nunca parecera tão sombria quanto estava nos últimos cem passos que ele dera antes de entrar no enorme navio de madeira. Uma frota gigantesca de caravelas escravagistas flutuava no horizonte, na preparativa cautelosa que os capitães preservavam por causa do medo das torrentes anunciadas por um céu enegrecido, rasgado por nuvens arroxeadas que enfraqueciam o pôr do sol que melancolicamente pairava e deixava para trás as desilusões de um povo maltratado; transformados em escravos, que odiosamente observava da margem o galeão se afastar.

— Não gosto daqueles olhares. – Disse um marinheiro, ainda perto o suficiente da terra para ouvir as imprecações.

— Não me importam os olhares e essas pragas jogadas... – Quem respondeu foi o imediato Luco. — O que me dá medo são as tempestades que estão lá no miolo do céu. Ainda acho que devíamos fazer como os outros...ancorar e aguardar.

Tudo o que o Doutor Lester se lembrava do desfecho daquela conversa era que o capitão, Gaga Roll, ignorara ambos os homens. Pragas e tempestades para ele não eram ameaças aceitáveis para atrasar uma partida. Não tinha fé em nada para chegar ao ponto de temer palavras ditas por curandeiros e xamãs. Talvez por isso sempre parecera tão confiante em suas decisões, ao ponto dos marujos acreditarem que ele não sentia medo...

Até que a peste chegou.

Era a décima terceira noite quando o decimo escravo doente foi jogado ao mar. Uma chuva agressiva sacudia as ondas. As cordas rangiam na medida em que os homens sofriam para segurar as cordas amarradas aos paus para que as velas não se partissem. O oceano gelado cuspia para dentro jatos de água que aumentavam o frio e o medo, enquanto nos porões, pensando no pesadelo que tentava esquecer, Doutor Lester de Vigo prosseguia com suas inspeções rotineiras.

— Abra a boca, por favor. – Ele pediu ao primeiro homem da fileira que se esticava pelo corredor entre as celas.

O escravo abriu a boca no instante em que o imediato Luco aproximou a vela de seu rosto. O doutor analisou os dentes e as mãos calejadas do homem, procurando indícios da decomposição inicial da peste.

— Sinto muito, meu amigo. – Disse o doutor na língua dos escravos. Então ele se afastou e fez um sinal para imediato.

— Luco... – prosseguiu o médico no idioma comum. — Infelizmente esse está contaminado.

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⏰ Cập nhật Lần cuối: May 02, 2023 ⏰

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