Zeian tinha vontade de rir, mas não podia. Não diante daquele rosto tão doce e, ainda assim, tão sério que o observava de volta. Sob a mesa de mogno, suas mãos encontradas estrangulavam os dedos uma da outra para impedir a ânsia do riso que tentava escalar sua garganta.

Os olhos da moça que estava a sua frente perscrutavam, com seu brilho amendoado, o corpo do jovem buscando qualquer sinal de que ele pudesse dar uma resposta enganosa a sua proposta. As habilidades dela eram famosas, a ponto de acreditarem que ela lia mentes. Zeian tinha ciência disso.

- É sério isso, Lirana? Dividir por cinco? – Disse Ele – Está mesmo insinuando que este seu mascote ficará com a quinta parte do tesouro? Veja, eu poderia tolerar que ele ficasse com algum brinde, sem problema, mas receber como qualquer outro do grupo? Só pode ser uma pilhéria.

- Eu não mascote! – Berrava a criaturinha que, de pé a beira da mesa, só via o que se depositava sobre ela quando saltava.

A bela jovem puxou suas madeixas negras por sobre o ombro e recostou-se no espaldar da cadeira numa atitude relaxada e petulante. Cerrou os olhos e Zeian sentiu uma pontada no estomago quando ela abriu a boca para falar.

- Ah, Zeian, meu guerreirinho burro! Desculpe eu ter superestimado minha capacidade dialética. Cheguei mesmo a pensar que minha clareação era à prova de imbecis. Entretanto, se não entendeu, aí vai outra explicação mais simples: Não encare nossa situação como uma sociedade, mas sim, sinta-se meu empregado. Ofereço-lhe um preço pelos seus serviços e dos seus amigos. A quantia é três quintos dos espólios que encontrarmos em Aitua e vocês dividem como quiserem. Já eu, vou ficar com dois quintos e vou dividir meio a meio com Pilpo. A única opção que foi dada a você é: Aceitar ou não. Caso não queira, adeus! Está desperdiçando meu tempo.

- Isso é o mesmo que dividir por cinco. – Balbuciou Zeian.

Entrementes, finalmente a criatura conseguiu subir no colo de Lirana e debruçou-se sobre um encardido mapa. Vestia andrajos que pareciam ter sido costurados para um boneco. Como elmo, usava uma caneca prateada. Seus olhos vermelhos e ligeiros prontamente perceberam o franzir dos narizes dos outros três que estavam à mesa quando o viram.

- Meu mapa, queixo-de-bundinha! Meu mapa! – Berrava o pequeno e escamoso ser, olhando diretamente para o furinho que Zeian tinha no queixo. – Se não gostar, você, cara-de-carranca e orelha-de-burro pode ir embora.

O rapaz não pareceu irritar-se com as grosserias de Pilpo. Contudo, cara-de-carranca, que na verdade se chamava Ordro e orelha-de-burro, que se tratava de uma elfa denominada Haira, franziram o cenho.

- Afinal, o que é essa coisa? Um cachorro? Um lagarto? – Indagou a elfa visivelmente enojada.

Pilpo subiu sobre o mapa, chutando canecas e garrafas, aos berros. - Eu kobold, Elfa boboca!

O baixinho chamou a atenção de todos na tasca com sua fala alta e gestos exagerados. Logo os integrantes da mesa estavam debaixo de vaias e gritos de "Não pode ter animais aqui dentro", "Nós queremos comer em paz" e "Vê se dá um jeito nesse seu bicho".

Lirana agarrou Pilpo e o segurou sentado sobre seu colo enquanto murmurava alguma coisa em seu ouvido que pareceu acalma-lo. Depois, voltou-se a seus convidados.

- Então, vocês topam o serviço ou devo procurar outros mercenários?

Zeian tomou um gole da última caneca que sobrara em pé, enquanto olhava por sobre ela para seus companheiros. Depois fitou longamente os olhos de Lirana, que permaneceram imóveis, sem transparecer qualquer tipo de ansiedade em saber de sua resposta.

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⏰ Last updated: Nov 10, 2016 ⏰

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Mentirinhas e ArmadilhasWhere stories live. Discover now