Poeira Estelar

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"Você passou dos limites" Essa é a única coisa que consigo pensar à um bom tempo "Você realmente passou dos limites".

Poeira.

Estrelas.

Cosmos.

Somos insignificantes se comparados as grandezas que nos cercam e ao mesmo tempo grandes em nosso próprio universo.

Mas isso não nos torna eternos.

"Você sabia disso"

Sempre soube, ou melhor eu achava que sabia.

Pelo visto me enganei.

Eu era a única pessoa que te via realmente, a única que queria te ver por trás da grossa camada feita de medos, sonhos, angústias, desejos, raiva, fantasias...

E você queria me mostrar.

Me contava sobre as coisas que gostaria de fazer, lugares que conheceria, e a vida que sempre sonhou.

E isso tudo para mim era um sinal, eu deveria continuar a te desvendar, ver por trás dos seus olhos escuros.

Meu Deus como me enganei.

"Algumas pessoas não querem ser desvendadas"

Sei que me empenhei demais e descobri coisas das quais nem você mesmo sabia. Ou tentava se enganar se iludindo e dizendo a si mesmo. Isso não é real.

Não te culpo. É difícil se controlar, às vezes nosso universo é grande demais e apenas precisamos de ajuda para o administrar, só que isso não é uma coisa fácil de se aceitar.

Orgulho.

Honra.

Valor.

Dignidade.

Ego.

O eu.

Somos fracos e não aceitamos.

Todos nós.

Você não era o único.

Eu também tenho os meus demônios.

Você não aceitou minha ajuda, por mais que eu insistisse.
Quando viu o que eu estava fazendo. Se afastou. E eu respeitei sua vontade. E o vi definhar de longe.

Esse foi o meu pior erro. Você precisava de ajuda e eu sabia disso, mesmo assim não o fiz.

Bebidas.

Sexo.

Mulheres.

Drogas.

Eu vi tudo e respeitei sua vontade de controlar a si mesmo sozinho. Eu nunca duvidei da sua capacidade. Mas não percebi que você já não era mais o mesmo. E quando me dei por mim já era tarde demais.

Noite.

Estrelas.

Banheira.

Remédios.

Bebidas.

Overdose.

Você.

Já não existiam mais sonhos, tudo se foi. Você não mais conheceria Paris e nem teria um buldogue chamado Teddy. Não conheceria a garota que um dia sonhou se casar e não teria a família que sempre quis depois de se formar na faculdade de direito e falar quatro línguas fluente! Você deixou isso bem claro. Inglês, Português, Francês e Alemão.

Nada disso será realidade.

Tudo porquê você...

NÃO PRECISAVA DE AJUDA.

A culpa não é somente sua, mas minha e de todos a sua volta que ignoraram o que estava se passando com você.

Quando recebi a notícia foi demais para mim. Mesmo sabendo que você já tinha partido a muito tempo, não acreditei "É mentira, por favor, me fale que é mentira, não é ele" mas, no fundo eu sabia a verdade.

No dia seu funeral, deitado no caixão em serenidade, eu disse a mim mesma que você só estava dormindo.
No seu enterro quando os coveiros desceram o seu caixão e pediram para que nos despedirmos oficialmente, eu fui a última a jogar o montinho de terra. Senti cada grão se chocando contra a cor escura da madeira e o som para mim foi agonizante.
Senti também raiva, por você não ter aceitado minha ajuda, devia ter batido com força em sua cara e ter dito o que agora está entalado em minha garganta. Sinto vontade de gritar para todos a nossa volta "A culpa é de vocês como não viram?" mesmo com uma voz interior dizendo que também era culpada.
Os últimos grãos caíram e ao invés desse espetáculo, apenas uma lágrima grossa e rápida saiu dos meus olhos.
O show acabou e os coveiros terminaram de enterrar.
Todos foram embora.
Eu fui embora.
Afinal. Não há mais nada a ser feito. O que eu poderia ter feito, não fiz.

Porém, aqui estou um mês depois e aparentemente ainda não superei sua morte.

A grama cresceu desde a última vez que estive aqui, talvez isso seja resultado das grandes chuvas que estamos tendo ultimamente, assim como hoje. Meus sapatos estão molhados a grama também e o cheiro de chuva está no ar. O seu cheiro preferido, sim eu me lembro.
Eu estava assistindo aquele filme lá em casa, aquele que sempre assistíamos, ou melhor você assistia, eu apenas dormia porquê ele sempre me deu sono. Mas ele era o seu preferido e por isso eu o assisti, e não dessa vez eu não dormi.
E finalmente descobri o porque dele ser o seu favorito.
Me lembrei de quando me disse que estamos em constante transformação e que sempre iremos evoluir, nos tornando frágeis e predestinados ao nosso próprio destino. Acho que você quis dizer morte.
Poeira estelar, simples assim.

Por isso senti vontade de vim aqui te ver, literalmente claro.

Precisava falar que você estava errado, é fato que iremos morrer algum dia, mas nossas escolhas é que dirão quando. O dia certo não existe.
O relativo sim, essa é a questão.
Você dizia não precisar de ajuda. Outro erro. Todos precisam.
Mas não estou aqui para apontar seus erros.
Em sua lápide está escrito seu nome juntamente com um epitáfio clichê "Amado filho e amigo", essa frase não te resume e como você sempre foi fascinado por frases tenho certeza que saberia a ideal a ser posta em sua própria lápide, nunca saberemos.
As pessoas evitam falar sobre você, e um silêncio constrangedor surge no ar toda vez que seu nome é tocado. Isso não acontece com a menina do nosso campus que morreu na mesma época que você, só que em um acidente de carro.
Para ela fizeram homenagens, para você silêncio.
Eles não aceitam que você estava doente, para eles você se matou por ser louco e um jovem impulsivo. Mas essa não é a verdade. Às vezes penso no que teria acontecido se você tivesse contado a eles, talvez nada. "Doenças psíquicas não existem" e por fim penso que você pediu ajuda sim, mostrou sinais de alerta só que isso nem eu consegui ver.

Mal percebo, estou em prantos. Já está escurecendo e eu preciso ir. Me abaixo e coloco sobre sua lápide uma rosa com um cartão perfumado o qual diz "Nos vemos por aí quando nossos átomos se encontrarem novamente flutuando no espaço como poeira estelar".

Penso que esse seria um epitáfio perfeito e que você o adoraria.

Me viro para ir embora e sinto um vento frio juntamente com um clarão indicando que logo começará a chover e tenho a absoluta certeza que sim, nos veremos em breve.