Capítulo XXIII

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Anastásia acordou da sua antiga cama ainda incrédula sobre tudo que tinha acontecido em tão pouco tempo. Tudo que ela mais queria descobrir em sua vida estava debaixo dos seus olhos o tempo todo. Sempre soube que as respostas estariam naquele broche, por isso nunca havia mostrado para a família Tchecov.

Tudo parecia finalmente bem naquele momento. Ela finalmente estava em casa com sua verdadeira família. Apesar dos olhares de ódio e amargura de Lara sobre ela, nada a estava afetando, pois tinha a proteção do pai e dos irmãos.

Respirou fundo e se levantou da cama com grande entusiasmo. Abriu as pesadas cortinas e alguns poucos raios de sol invadiram seu imenso quarto. O inverno estava finalmente indo embora, e a esperada primavera chegaria em breve. Os festivais começariam, as flores voltariam a brotar e o calor retornaria. Anastásia amava a primavera, era sem dúvidas sua estação preferida.

— Aqui tem um belo jardim. — disse para si mesma. — Mesmo ele no inverno, não deixa de mostrar sua exuberância. Quando a primavera chegar, nada ficará mais belo do que os jardins de Peterhof.

— Falando sozinha Anastásia?a voz da sua madrasta invadiu o quarto.

Anastásia se virou e observou Lara andando em sua direção. Estava bela como sempre. Seu vestido era demonstração do poder que possuía, seu olhar era tão frio quanto o inverno russo. Apesar do ódio da czarina não a afetar, sua postura era tão amedrontadora.

Cerrou a mandíbula, não queria ter algum tipo de conversa com aquela mulher. Se Lara a odiava, o que ela poderia querer? Anastásia estava se perguntava.

— Além de mentirosa, também é muda?

— Bom dia, Majestade.Anastásia respondeu com ironia. — Creio não entender o motivo de estar levantando calúnias sobre mim.

— Não sejas irônica comigo, menina. Lara rangeu os dentes.

— Primeiramente, foi a senhora que invadiu meu quarto. Nunca a convidei para compartilhar de meus aposentos.

Lara deu um sorriso debochado e sentou-se em um sofá.

— Todos estão encantados com a grã-duquesa perdida. Mal enxergam que é uma perfeita mentirosa. Basta olhar para você, possui um brilho dissimulado no olhar.

— Vossa Majestade crê que me conhece. Suas conclusões são tão precipitadas. Jamais lhe fiz mal algum, e nunca pensei nessa hipótese. Sempre a defendia quando falavam algo sobre a senhora.

— Não preciso da sua defesa.

— Por isso ninguém gosta de você! Não procura ser amiga de ninguém, nem dos teus próprios enteados. Acha mesmo que meu pai se agrada e vive feliz no clima tenso que todos aqui vivem?

— Desde quando sabe de algo? — cerrou os olhos.

— Acha que as pessoas não comentam sobre vocês? — Anastásia cruzou os braços. — Pensei que fosse mais inteligente.

— Ora, menina... Não me irrite.

— Acho que essa frase deveria ser minha Por favor, saia do meu quarto.

— Seu? deu uma gargalhada. — Farei com que nunca seja seu. Irei descobrir sobre seus planos e como achou esse maldito broche de Sasha Bulganova. Possui a pior inimiga da Rússia.

— Vivi durante esses onze anos em um completo inferno. Ter você como mais um demônio em minha vida será fácil. Jamais esqueça que eu tenho pessoas que me amam e acreditam em mim. — Anastásia manteve uma postura que fosse possível enfrentar aquela mulher. — Odeio ser chamada de mentirosa. Estou farta de ouvir comentários grosseiros e maldosos. Todo esse discurso de ódio porque você não suporta os filhos do seu próprio marido. Vossa Majestade sempre soube que ele tinha filhos quando se casou, e sempre soube que ele era apaixonado pela esposa.

Lara a olhou com desprezo e saiu do seu quarto mais rápido do que esperava. Anastásia nem havia percebido que havia prendido o ar, ao ver aquele furacão Lara Bulganova sair do seu quarto. Lágrimas começaram a brotar em seus olhos, ela não sabia que o ódio daquela mulher por ela era tão grande. Estava tão farta de ser maltratada e odiada. Queria ser forte, mas estava chegando a seu limite. Porém, decidiu não dar satisfação para Lara, jamais poderia fraquejar na frente dela. Enxugou as lágrimas com o braço e tentou se acalmar novamente.

Andou até sua antiga penteadeira e sentou-se no pequeno tamborete de veludo azul. Olhou-se no espelho, coisa que raramente fazia. Seus olhos estavam vermelhos, e seus longos cabelos negros bagunçados. Encarou-se mais uma vez, só que de maneira diferente.

Agora ela não enxergava mais aquela menina maltratada, que não sabia quem era realmente, da onde tinha vindo; em qual lugar deveria pertencer. Ela era Anastásia Vladimievna Bulganova, grã-duquesa da Rússia, e nada deveria temer.

Ela honraria seu pai e a memória de sua falecida mãe.

Ivan resolveu jogar seu revólver fora, não poderia mais andar com ele. E também estava sem munição, e não poderia comprar, pois correria o risco de ser reconhecido. Apesar de sua aparência ter mudado muito durante aqueles anos, ele não poderia arriscar de forma alguma. Não poderia ser pego, ou estaria arruinado de todas as formas. Ele sabia que Vladimir não hesitaria em matá-lo, colocar sua cabeça em uma estaca para todos os cidadãos russos o verem. Mas ele não daria esse gosto doce para Vladimir, nunca seria pego pelo maldito Bulganov.

Estava em um pequeno bar, que ele considerava ser mais uma espelunca. Estava no décimo copo de vodca e estava pensando no que faria de agora em diante. Sentia-se um pouco vingado com a morte dos dois Tchecov, mas somente aquilo não bastava. Ele precisava de mais. Algo dentro dele gritava que aquilo ainda não o suficiente. Ivan estava acreditando que habitava um demônio dentro dele, mas nada mais importava. Se ele tinha matado a mulher que mais havia amado no mundo, do que os outros serviam?

Pediu para o garçom servir mais um copo para ele, enquanto pensava em como iria para Moscou atrás da sua mãe, a grã-duquesa Maria Tchaikovsky. Sua mãe sempre tentou fazer com que ele esquecesse Sasha, mas falhou em todas suas tentativas. Ele amava muito a mãe, e imaginava o quão ela sofreu com o que ele fez. Ele soube através dos jornais que ela tinha se mudado para Moscou assim que tudo aconteceu, pois não suportava permanecer mais em São Petersburgo com as lembranças e as pessoas falando mal de sua família. Ivan também sentia falta das suas irmãs, Alexandra, Doroteya e Avani com exceção da sua irmã mais velha, Evia, pois sempre se odiaram.

Decidiu em fim partir para Moscou, mas não podia ir de trem, precisava achar alguma carona para ir até lá. Chamou o garçom para pagar a conta e procurar saber se alguém daquele lugar poderia ajudá-lo.

— Conhece alguém que vá para Moscou? — tirou algumas moedas do bolso e colocou em cima da mesa.

— Conheço. — pegou as moedas e colocou no bolso da calça. — Para que dia o senhor quer?

— Hoje mesmo.

— Está vendo aquele homem ali? — apontou para um homem perto da janela. — Ele o levará para Moscou, mas tem que pagar alguma coisa.

— Claro.

Ivan se levantou e foi até o homem que o garçom havia mostrado.

— Vai até Moscou hoje?

— Vou. Por quê? — o homem o encarou com desconfiança.

— Quero que me leve até lá.

— Terá...

Ivan tirou mais moedas do bolso e colocou sobre a mesa.

— Isso é o bastante.

— Partimos em meia hora.

— Vou esperar lá fora.

Ivan saiu do bar e ficou esperando perto da porta o homem sair.

A grã-duquesa perdidaWhere stories live. Discover now