Capitulo 1- Camafeu

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Uma das minhas primeiras lembranças é de quando minha mãe foi embora.

"Enquanto estiver com isto, sempre estarei ao seu lado. Eu te amo, não se esqueça, mas agora eu já não posso te proteger." Ela disse enquanto colocava um camafeu, uma pedra preciosa em que se esculpiu uma figura em alto-relevo, em meu pescoço.

Nunca fui de achar beleza em joias, mas aquela me atraía de alguma forma. De alguma maneira, a rosa branca desenhada prendia minha atenção, me passava segurança. Senti saudades do cheiro das rosas, todas brancas, que minha mãe cultivava e da maneira que a casa sempre estava cheia delas.

O cheiro de rosas e o tal colar eram minhas únicas lembranças dela. Ele foi a única coisa que ela deixou antes de partir e não sei até hoje o motivo.

Com esse pensamento segurei meu camafeu, a única coisa que estava presente no meu corpo nu e entrei no banho.

Já estava escuro quando saí. Abri a porta, deixando o vapor quente sair do banheiro e passei a mão no espelho, esperando que minha imagem ficasse nítida. Olhando para meu reflexo percebi que meus olhos castanhos, levemente avermelhados, estavam maiores e mais afundados que o normal. Pensei que o motivo era a minha frustração em não conseguir regular a água deixando-a na temperatura ideal, devido à dificuldade em manusear o chuveiro desta casa, mas percebi que isso não fazia sentido algum.

Vesti uma roupa qualquer e desembaracei o cabelo longo, liso e preto, a única coisa que me agradava no meu corpo pálido e magro, enquanto recordava o meu ódio por mudanças.

Havia me mudado recentemente. A casa continuava lotada com caixas amontoadas que dificultavam a visão da sua grandeza e rusticidade, mas esse era o menor dos problemas. Em vez de mudar somente de domicílio, mudei de cidade, pior ainda, mudei de estado - pelo menos, não havia mudado de país novamente. E eu estava odiando a estadia. O problema primordial seria a dificuldade em me adaptar novamente. Mesmo assim, ainda era uma opção melhor do que mudar de país e ter que aprender outro idioma.

A minha primeira experiência com mudanças deu-se devido ao egresso da minha mãe. Tudo ocorreu rápido demais para a minha memória infantil. Lembrava-me unicamente de flashes aleatórios: meu pai entrando no carro de uma maneira acelerada demais para a calmaria da minha cidade natal, a casa onde cresci e dei meus primeiros passos ficando para trás enquanto o carro se afastava para nunca mais voltar, a conversa apreensiva do meu pai no seu telefone...

— Lúcifer!

Ouvi meu pai gritar, interrompendo meus pensamentos malcontentes. Desci as escadas batendo o pé, barulho que não pôde ser ouvido devido ao chão de carpete manchado, mais um defeito nessa maldita casa. Ao ouvir meu pai citá-lo, lembrei que meu nome seria mais um empecilho em minha adaptação, como sempre.

— Por que diabos insiste em me chamar assim?! Ah, lembrei, exatamente pelos diabos — reclamei, entrando na cozinha sem cumprimentar meu pai.

Não entendo por que alguém escolhe dar o nome do ser que simboliza o mal para sua filha. Senti o camafeu esquentar, coisa que sempre acontecia quando alguma emoção forte me atingia.

Ele respirou profundamente e pareceu pensar antes de dizer algo, mas disse:

— Precisamos conversar. — Ah! Essa frase de merda.

Me preparei psicologicamente para o que estava por vir, mas percebi que foi em vão, sendo que minha vida era mais parada que corrida de lesmas e eu não teria nada para ser repreendida. Então era pior que uma conversa após uma ressaca normal de adolescente, afinal, nem uma ressaca havia tido.

A coisa ficou séria.

Lúcifer - Marcados pelo Sangue Where stories live. Discover now