A morte dela

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          Em todos os meus 28 anos já vivi muitas mortes, a da minha avó que nos seus 86 anos não aguentou um ataque cardíaco, a do meu pai que aos 50 sofreu um acidente de carro, a do meu cachorro Chipp, que aos 17 anos morreu de velho. Mas de todas essas mortes, a dela foi sem dúvida a mais difícil pra mim.

          Porque foi uma morte repentina, certeira e sem sintomas de que o estado era grave. Ninguém esperava que a vez agora seria a dela, porque era só uma garota que em seus 26 anos exalava vida, que tinha planos pra gente e não via a hora de ter o seu Grande Porém, que era como chamava a futura casa dos 30 anos. Morreu assim, como uma brisa rápida. Não deu tempo de me despedir ou de tentar buscar em alguma crença uma última chance pra ela, porque antes mesmo de aprender a rezar o Pai Nosso e conseguir fazer uma promessa qualquer, ela já não estava mais lá comigo.

          Quando o fato foi confirmado, minha mãe me perguntou, chocada, o que tinha acontecido, meus amigos quiseram saber como eu estava em relação a tudo isso e os conhecidos apenas passavam e prestavam as condolências. E eu, eu estava lá, mas era como se não estivesse. Olhava para a porta e esperava que ela entrasse, olhava para o celular e esperava que ela ligasse, mas ela não entrava, não ligava, não dava mais nenhum sinal de que estava sim viva.

          E como se espera de um apaixonado de amor latino e católico, fiquei de luto, me vesti de preto e me tranquei no escuro. Não comi, não vi ninguém e não atendi quem me ligou, porque quem quer que fosse, certamente não seria ela. E olha, eu não sou de chorar, mas nesse dia, sozinho no quarto, chorei aquele choro profundo e baixinho, que quando começa não para mais, mas que quando passa te deixa envergonhado consigo mesmo.

          Depois de semanas me dedicando a um amor perdido e deixando que ela deixasse de existir em mim, comecei a voltar a viver, porque ela se foi, mas eu fiquei pra levar no peito tudo o que ela deixou pra trás. Aos poucos saí pra caminhar, depois saí pra me exercitar e por fim já estava em um encontro com uma outra garota. Não a esqueci por completo, nem poderia, mas não tentei mais fazê-la lembrada, porque não estava mesmo funcionando.

          E um dia desses em uma das minhas caminhadas matinais, a encontrei. Mas não se assuste, não era um fantasma ou uma miragem, era ela, viva e em carne e osso, e nos braços de outro. A morte dela foi só na minha vida, naquele dia em que ela terminou comigo, porque a gente vivia, mas não sabia mais viver junto. E eu não sei se morri na vida dela também, mas sei que quando ela olhou pra mim naquele dia em que a reencontrei, sorri, acenei e não senti mais falta daquela antiga vida.

Garotos desiludidosWhere stories live. Discover now