Menina de madeira podre

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Eu costumava acordar às seis da manhã. Não em ponto, porque sempre apertava o botão de soneca do despertador e cochilava por mais alguns minutos. Vestia o uniforme e arrumava minha mochila com muito cuidado para não fazer barulho, já que minhas irmãs dormiam no mesmo quarto que eu, e até na cozinha eu tinha que preparar meu copo de leite e pão com manteiga no maior silêncio possível naquela casa pequena. Meus pais já tinham saído para trabalhar havia uma hora e meia, mais ou menos. Eu saía às seis e meia; minha aula começava às sete.

O caminho era tranquilo nos dias sem chuva; só de vez em quando alguém passava por mim, mas na maior parte do tempo era apenas eu naquela estradinha de barro cercada pelas árvores e plantas rasteiras da mata. Era boa aquela solidão, principalmente de manhãzinha.

Mais ou menos na metade do caminho ficava a ponte: pequena, mas velha e bamba. Certa vez um amigo meu, quando foi lá em casa fazer um trabalho da escola, disse que as tábuas de madeira já estavam podres e os pregos, enferrujados, e que a estrutura despencaria a qualquer momento. Então ele ficou pulando lá em cima enquanto eu passava, e a ponte rangeu e balançou tanto que eu pensei que ele estivesse certo. Desde então, sempre que eu andava por aquela ponte era com o pressentimento de que ela iria desmoronar. Por isso eu caminhava lentamente, procurando os espaços mais maciços, onde parecia seguro botar os pés. Por isso e porque não tinha ninguém olhando.

Na volta era a mesma coisa; porém, por perder tanto tempo nesse jogo, eu apertava o passo na terra firme, pois quanto mais eu me demorava mais tempo minhas irmãs passavam sem almoçar. Então, em casa, eu fazia o almoço, nós comíamos e em seguida elas iam para a escola com a vizinha e eu passava horas vendo desenhos animados na televisão. Fazia o dever de casa à noite, quando todo mundo já estava de volta ao lar.

Um dia, durante meu horário de desenhos, comecei a me sentir enjoada e fraca. Peguei o termômetro e vi que estava com febre. Mesmo com o remédio, à noite eu ainda me sentia mal. Fui com meu pai ao médico, no carro da vizinha. O diagnóstico foi de virose. Fiquei em casa por duas semanas.

Ao final desse tempo, ainda não tinha me recuperado por completo. Entretanto, em uma noite, meu pai chegou com a notícia que me fez emergir daquela rotina nova e temporária de cobertor, remédios e canja de galinha. Ele, minha mãe e minhas irmãs tinham acabado de chegar em casa.

— Já terminaram aquela obra — comentou meu pai. — Eu achei rápido.

— Que obra? — perguntei, fungando.

— A reforma lá da ponte. Aquela pontezinha que já não se aguentava de podre.

— Reformaram a ponte?!

— Isso.

Eu me calei. Ele foi jantar. Minha mãe também, e minhas irmãs foram tomar banho juntas, pois gostavam de fazer bagunça.

— Como ela ficou? — perguntei quando meus pais voltaram para a sala com seus pratos feitos.

— Quem? — minha mãe quis saber.

— A ponte. Como ela ficou?

— Ah! Ficou bem melhor; fizeram outra de cimento. Já era hora, né?

— É...

Fomos dormir lá pelas onze porque ainda era quarta-feira. No dia seguinte, não voltei à escola; porém, durante minha tarde, depois de as pequenas saírem, desliguei a televisão, joguei o cobertor para o lado e fui fazer meu passeio.

A estradinha de barro ainda era a mesma, assim como o mato em volta. Só quando eu cheguei pela metade do caminho pude ver a mudança: não havia mais aquele feio trabalho de carpintaria, com aquele corrimão cheio de musgos que era baixo demais, com as tábuas rachadas, tortas e remendadas em alguns pontos com pedaços de compensado de madeira, com os pilares lascados oferecendo uma duvidosa sustentação e com os pregos enferrujados unindo a coisa toda. Agora a terra estava mexida perto do barranco, e logo depois começava uma ponte muito sólida, cinza de concreto, com um corrimão mais alto que minha cintura. O próprio barranco tinha sido cavado, não sendo mais íngreme naquela parte, onde agora existiam os novos suportes: retos, de concreto e apenas dois, um em cada extremidade da ponte.

Caminhei até o meio daquela nova estrutura e dei um pulo. A vibração foi insignificante; não intimidou nem a formiga que também andava por ali. Atravessei a ponte, voltei e atravessei de novo, dessa vez correndo. Eu nunca passara tão depressa por sobre aquele trecho do rio. Agora poderia fazer isso sempre, pois não havia mais o risco de eu cair com ponte e tudo dentro da água, já que as coisas tinham se tornado tão estáveis.

Parei novamente no meio da ponte. O corrimão tinha quase um palmo de largura e era áspero como todo o resto. Descalcei os chinelos e subi ali. Dei alguns passos para frente e alguns passos para trás; era fácil manter o equilíbrio. Então, virei de frente para o riacho. A altura continuava a mesma. Contei até três e, no dois, pulei.

Primeiro meus pés bateram na areia do fundo, em seguida meus joelhos e minhas mãos. Meu short ficou todo molhado, mas minha blusa só foi atingida na parte da frente, pela água que espirrou. Coloquei-me de pé e fiquei ali por um momento; a correnteza fraca e gelada rastejava em volta dos meus tornozelos enquanto eu examinava minhas mãos, espetadas de leve por algumas pedrinhas, na queda.

Depois, subi o barranco com certa dificuldade, sujando meu corpo de terra e grama. Peguei meus chinelos e voltei para casa. Lá, tomei um banho quente e fui ler um livro enquanto esperava minha família regressar.




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