Parte III

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Parte III – Nathan

Minhas pálpebras se abrem com muito custo quando a luz do sol invade o quarto pelas frestas da cortina. Meu corpo dói, minha cabeça está pesada e parece que eu comi um guarda chuva. Memórias da noite anterior me vem à mente, e com certo esforço, me sento na cama tentando entender a merda que eu fiz.

Eu coloquei uma estranha dentro de casa.

Preparo-me para sair do quarto e não encontrar mais nada em meu apartamento, mas me surpreendo ao encontra-la sentada no sofá, com as duas mãos no joelho, completamente desconfortável, como se estivesse me esperando levantar.

— Oi —é a única coisa que ela consegue dizer ao olhar em meus olhos. Suas cobertas estão dobradas em cima do colchão, e eu reparo que suas roupas e as pequenas coisas que ela conseguiu recuperar estão arrumadas em uma sacola em cima do sofá, ao seu lado. Acompanhando meu olhar, ela percebe onde ele termina e completa — Eu peguei essa sacola nas suas coisas. Espero que não se importe... É que bem, eu não tinha nada...

— Fica tranquila – eu a corto e sorrio. Sorrio por que, pela primeira vez na vida, não me arrependo de algo que eu fiz no impulso. Diferente de ontem, ela parecia um pouco desconcertada agora cedo. — Você dormiu bem?

— Dormi, dormi sim – seu primeiro sorriso do dia e eu já sinto minhas pernas tremerem. — Obrigada por me deixar ficar.

— Não por isso – eu respondo e o silêncio se instala. Depois de alguns segundos desconcertantes, ela quebra novamente o gelo.

— Eu não fiz café por que eu não sei onde ficam suas coisas – ela olha em volta e dá de ombros, como se pedisse desculpa.

Me jogo ao seu lado e resmungo, enquanto ajeito as mechas caídas do meu cabelo:

— Nem eu não sei onde estão as coisas. Isso aqui ainda tá uma bagunça.

— Então vamos lá – ela estende a mão pra mim, me levantando do sofá — Vou te ajudar a organizar tudinho antes de ir embora.

— Não Lizz, que isso. Não precisa – eu digo, mas ela já começa a negar — Não quero que você se canse por minha causa.

— Nathan, ei. Eu quero ajudar, para retribuir o que você fez por mim. Vamos lá vai.

E então nos enfiamos em pilhas de livros, caixas de roupas, cds e sapatos. Ela me ajudou a organizar meu guarda roupa, separando as peças conforme minha necessidade. Achei aquilo muito profissional, e disse até que ela poderia ser uma personal organizer. Ela retrucou na atual situação ela era no máximo uma personal sem teto, o que me fez rir alto. No meio da bagunça, depois de acharmos as coisas da cozinha, ela fez um café delicioso, que provavelmente me deixaria acordado por três dias, levando em conta o tanto que tomei. Vimos minhas fotos antigas, penduramos quadros, separamos doações e ela tocou um pouco de violão quando achou o meu, me deixando muito claro que eu era péssimo e que ela era incrível.

Incrível em organizar, em tocar, em cafés.

Incrível em me fazer rir.

Quando caímos os dois no sofá, mortos de cansaço, eu apenas me virei para ela. Olhei vários segundos dentro de seus olhos até finalmente perguntar o que estava martelando em minha cabeça há tempos.

— Você tem um lugar para ficar? – ela me olhou de volta e apenas balançou a cabeça em negativo.

— Não. Minha família está em outra cidade, e eu abri mão deles Nathan.

— Abriu mão por alguém que não valia a pena – eu retruco, mas ela pousa sua mão na minha e sorri.

— Não Nathan. Não foi por ele que eu abri mão de tudo o que eu tinha antes. Foi por mim. Pela vida que eu queria ter e que nunca teria se eu continuasse lá, na barra da saia da minha mãe socialite e em volta do dedo do meu pai governador. Eu abri mão de tudo por mim mesma, e eu valho muito a pena.

Quando ela diz isso, eu finalmente entendo suas palavras. Ela não teve medo de se arriscar para ser quem queria ser. Eu nunca fui assim. Estou aqui, longe de tudo, matriculado em uma faculdade que eu não quero fazer, enterrado em livros que eu não quero ler, sem sair um dia sequer apenas para não perder meus estudos. Aqui estou eu sem fazer a tatuagem que eu quero por medo de me prejudicar em um emprego, sem viajar por onde eu quero por medo de me arriscar. Aqui estou eu comendo seis porções de frutas e legumes por dia, quando na verdade eu queria era estar enfiando minha cara em destilados e cerveja, sendo feliz, dormindo tarde, não dormindo, dormindo o dia inteiro.

Aqui estou eu não sendo eu.

— Sim, você vale muito a pena – e então eu ergo meu braço, passando minha mão por trás de seu pescoço e a puxando para um beijo. Ela retribui e em poucos minutos, ela está em meu colo, beijando minha boca, tirando minha camiseta, bagunçando meu cabelo. Caímos do sofá, rolamos pelo tapete e terminamos nosso beijo no chão, abraçados um ao outro.

Aqui estou eu aprendendo a ser eu.

— Não é por eu ter te beijado –eu começo dizendo, colocando uma mecha de seu cabelo atrás de sua orelha — É por você ter feito eu enxergar algumas coisas em menos de 24 horas de convivência... Então, por favor, não é por que eu quero me aproveitar da situação... – eu começo a dizer, mas ela não me deixa terminar. Ela me beija de novo, e com um largo sorriso, apenas diz:

— Eu fico Nathan. É claro que eu fico.

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Um problema chamado Lizz [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora