Sombras da Fé - Parte I

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Na véspera de Natal, em uma noite de chuva torrencial, desembarcaram do ônibus Vinciana e Emmanuel em Belemzinho, uma das cidades conhecidas como "a capital da amizade" no Brasil. Abrigados sob uma marquise, aguardaram os pingos pesados diminuírem. Vinciana, com os lábios trêmulos, sentia o bico do seio arder enquanto balançava o bebê faminto. Buscando um abrigo melhor, ela caminhou por ruas silenciosas, onde poucas janelas emitiam luz. Sentindo a chuva misturar-se com suas lágrimas, Vinciana bateu em várias portas. Quase em desespero, na vigésima tentativa, um homem atarracado atendeu em uma porta distante.

"Olá, boa noite."

O homem, intrigado com o vulto de saia longa por trás das grades, demorou para responder.

"Boa noite!"

"Desculpe o incômodo. Onde posso encontrar uma pousada?"

"Aqui não tem disso, dona."

Com as mãos protegendo o bebê da leve garoa persistente, Vinciana sentiu sua visão turvar. O homem aproximou-se e percebeu a criança em seu colo.

"Faça o seguinte, siga por esta rua e, na última quadra, encontrará uma casa roxa. Procure pela dona Joana."

Vinciana seguiu a dica, mas ao invés de uma casa roxa, encontrou um terreno murado onde uma luz lilás refletia em uma parede branca. Uma porta com cantos apodrecidos se destacava no muro. Vinciana apertou o interfone ao lado e ouviu o soar da campainha. Demorou.

"Olá, estamos fechados." Disse uma voz aveludada.

"Desculpe, a dona Joana está? Preciso de ajuda."

"Eu sou a Joana. Como posso ajudar?"

"Estou precisando de abrigo. Vim de longe com meu bebê e não tenho para onde ir. Não sei o que fazer." Falou Vinciana, com a voz embargada pelo choro.

Não demorou muito para uma mulher formosa e perfumada abrir a porta. Sem muitas perguntas, ela levou os forasteiros para uma edícula nos fundos. Num canto, havia um sofá empoeirado onde cachorros dormiam enroscados. Joana espantou os animais e estendeu um lençol manchado, tentando disfarçar as mãos que tremiam.

"No momento, não tenho como acomodar vocês lá dentro. Vou trazer comida e cobertores, pode ser?"

"Claro, fico muito agradecida."

A noite foi gelada, mas os cachorros deitaram no sofá aquecendo o bebê. No dia seguinte, Joana trouxe mais comida para a mãe faminta.

"Dormiram bem?" Perguntou a anfitriã.

Vinciana gesticulou que sim, enquanto mastigava um pedaço de panetone.

"Seu bebê não chora e mal abre os olhos. Está tudo bem?"

"Ele é muito calmo. Acho que o fato de não enxergar contribui para isso. Sou muito abençoada por Deus."

"Seu filho é cego?"

"Sim, foi o que os médicos disseram."

Joana pressionou as têmporas e enrugou a testa.

"Qual é o nome dele?"

"Emmanuel. Ele é a luz da minha vida, e sei que um dia voltará a enxergar."

Emaranhados: amor, destino, caos e esperança.Where stories live. Discover now