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O calor estava mais intenso que o normal nos últimos três dias. Ninguém precisava dizê-lo porque todos o sentiam, porém, era necessário expressar a agonia que dava ficar se abanando até mesmo em salas climatizadas. O supermercado também estava quente, mas o forro cobrindo toda a área mantinha o calor afastado. Assim a temperatura sobre terra era mais branda.

Há dois dias os principais setores do supermercado haviam sido atacados. Açúcar, arroz, farinha de trigo, macarrão e diversos tipos de carne foram os alimentos mais cobiçados. Chegaram como saqueadores em plena luz do dia e nada podiam fazer para detê-los. O pai procurou ajuda da polícia, mas estes estavam atendendo a outras ocorrências ao redor da cidade. Por sorte o estoque tinha sido poupado, isso porque o povo não sabia de sua existência, caso contrário, era capaz de terem derrubado as portas com o próprio peso do corpo ou utilizado algum carro estacionado próximo ao prédio. Tiveram que se esconder em casa enquanto assistiam pelas câmeras de vigilância, aquelas que não foram destruídas, todo o movimento dos vândalos que brigavam por produtos como se estivessem em liquidação e fossem os únicos em toda a cidade. Passada a tempestade, pai e filho foram visitar o empreendimento da família.

Embalagens de diversas cores e marcas davam um aspecto bem contemporâneo ao chão do supermercado. A arte não condizia exatamente com a realidade das pessoas que moravam nas redondezas. Muitas das embalagens apresentavam cenas felizes demais para a ocasião: uma família brincando nas colinas de um lugar qualquer, uma mãe contente com os primeiros passos do seu bebê, um super-herói com sua equipe pronta para combater o mal, ou ainda, um coelho carregando ovos para serem entregues aos seus possíveis coelhinhos. O maior alívio foi quando tiveram certeza de que não havia corpos no chão, nem mesmo debaixo de todo o entulho de sacos plásticos e metálicos. As prateleiras estavam vazias, um ou outro produto esquecido. Entre eles, uma barra de chocolate em sua carcaça dourada.

Roberto Adalberto agarrou a barra como se fosse um tesouro perdido. Brilhava na sua mão e nada era mais importante na sua vida do que aquilo, nem mesmo a própria vida, afinal ela já estava condenada aos acontecimentos que se sucederiam.

Após avaliar as condições do negócio, o pai parecia mais triste do que irritado. Olhou para o filho e viu um brilho nos olhos junto a uma excitação, uma felicidade reprimida. Percebeu, então, que ainda havia esperança. Tudo estava ruindo, mas ainda tinha o filho e, antes que alguém pudesse tomá-lo de si, o segurou pelo braço e o puxou para fora da loja. O espanto fora tamanho que o garoto quase derrubou a barra e procurou segurá-la com mais afinco. O pai voltou para casa e seguiu por um caminho por detrás dela que levava até o armazém, onde mantinha um estoque de grande proporção. Retirou um molho de chaves e abriu uma porta que ficava ao lado do portão de alumínio. Tentar entrar pelo portão de carga e descarga seria chamar atenção para si e isso não desejava.

Ambos entraram e o pai disse que abririam as caixas, todas elas, para que pudessem separar o necessário para os próximos dias. O garoto pegou, então, uma pequena faca para cortar as fitas crepe que lacravam os produtos que eram transportados em caixas de papelão. Não sabia ler, portanto saiu cortando e abrindo cada caixa na espera de que o pai aparecesse para selecionar a quantidade que seria levada. Quando abriu a quinta caixa, tomou a liberdade de pegar, no mínimo, cinco caixas de chocolate, mas queria levar todas. Havia tantas! Podia muito bem se alimentar apenas de doce nos dias seguintes, não se importava que crescessem cáries depois ou aquelas lombrigas gigantes que passeiam pelo intestino. Além do mais, comeria apenas os que gostava. Procurou uma sacola e achou uma do seu tamanho. Colocou as cinco caixas dentro dela, mas não largou a barra dourada, aquela era especial, não podia se misturar, muito menos ser largada em qualquer lugar. O pai viu sua seleção, riu e afagou seu cabelo. Roberto Adalberto percebia a tristeza do pai e uma dose de carinho sempre que olhava para o filho.

O Piso de ChocolateWhere stories live. Discover now