Capítulo 3 - Por Um Fio

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    Naquela noite a sra. Barden foi chamada aos aposentos do patrão para conversar sobre a conduta da nova empregada. 

 Zelda sentia-se triste por ter de partir sem nem ao menos ter uma chance de mostrar seu trabalho. Andava de um lado para o outro do que fora seu quarto por tão pouco tempo. Quando sentia que iria se habituar bem as esquisitices da mansão Peterson sua curiosidade acabara por destruir um possível futuro brilhante na administração da educação da pequena Coraline.

 Deteve-se por um instante e caminhou até a cama de solteiro coberta com uma bonita cocha de motivos florais, jogando-se deitada sobre ela.

 As lendas acerca da família Peterson sempre correram por aqui e ali, de modo que não eram segredo para ninguém.

 Era dito que o pai de seu patrão, Aiden Peterson havia voltado do inferno depois de um encontro com o demônio em espírito e maldade. As pessoas mais cruéis teimavam em comentar que o homem havia se casado com uma cigana meretriz interesseira, talvez por ter parte com o demônio também. Sempre associavam o nascimento de Julian e sua irmã mais nova com satanás, o que pra ela significava nada mais do que um monte de fofocas inúteis e falácias das pessoas preconceituosas e desocupadas da cidade.

 Com o canto dos olhos Zelda viu sua porta se abrir. Pôs-se sentada em prontidão. A pequena Coraline entrou, chorosa.

- O que foi, pequena? - a mulher aproximou-se da criança, sem tocá-la. Sabia de seu lugar e a ele não era atribuído nenhum tipo de intimidade com seus patrões.

- Muriel...disse que a senhorita vai embora!

 Zelda fechou a cara. Como a empregada era intrometida!

- Me desculpe, Cora. Surgiu um pequeno problema em minha casa e eu preciso voltar...

- Mas ela disse que você desrespeitou meu pai, e ele ficou furioso... - as lágrimas escorriam pelo rosto angelical - Ele está sempre muito nervoso e grita com todo mundo...

- Pequenina, seu pai está passando...por um momento muito delicado e...temos que tentar entender isto.

- Todos nos abandonam, srta. Hudson...Mamãe foi embora e nos largou aqui, agora a voc~e também vai me abandonar...

 Zelda sentiu que também estava prestes a se debulhar em lágrimas. Não suportava ver uma criança chorar, ainda mais uma que apesar de tão pequena já havia sofrido tanto em sua gaiola dourada.

- Querida, tenho certeza de que logo seu pai arrumará uma nova governanta com quem você possa ficar...

- Mas eu não quero outra! - a menina agora falava como uma verdadeira aristocrata mimada. Zelda segurou o impulso de rir. Não era o momento apropriado para isso - Já sei, srta. Hudson! Vou falar com papai, ele vai me entender!

 Antes que Zelda pudesse protestar a menina saiu correndo do quarto, os cachos sedosos balançando freneticamente.

 Ela não queria que o tirano pai brigasse com a pequena menina por causa dela, porém brigas naquela casa pareciam inevitáveis. Aluás, ela tinha um assunto a tratar com Muriel. A empregada abelhuda não tinha o menor direito de se intrometer em seus assuntos, ainda mais de uma forma tão brusca como essa.

 Dirigiu-se até a cozinha, onde as duas criadas preparavam os pratos para serem servidos. Zelda dirigiu-se a Emma, usando sua condição como superior.

- Emma será que poderia deixar que eu conversasse a sós com Muriel por uns instantes?

 A jovem assentiu, agarrando uma tigela de louça branca.

- Claro que sim, srta. Hudson. Tenho mesmo que preparar a mesa para o jantar. - a menina foi-se, como se adivinhasse que alguma bronca estava por vir.

 A prepotente empregada largou a colher de pau com a qual remexia uma panela e encarou a governanta, com o olhar altivo de uma rainha.

- Muriel... - a ruiva fingiu ignorar a falta de respeito da outra e caminhou pela cozinha, sentando-se num dos compridos bancos que ladeavam a mesa no centro do cômodo - É de meu conhecimento que andou fazendo...comentários a meu respeito com Cora.

 A mulher bufou.

- A pestinha linguaruda já correu para contar. Bem, era de se imaginar. Mas não tenho nada a esconder, não disse nenhuma mentira. Milorde ficou furioso e praguejou tanto que toda a área comum da casa podia ouvir sua insatisfação. - a mulher sorriu, debochada - Alguns minutos. Foi o recorde de tempo que alguém demorou para ser demitido da casa...

 Zelda agarrou uma maçã da fruteira no centro da mesa e fingiu examinar a fruta vermelha com atenção.

- Mesmo que seja verdade Muriel, creio que o assunto não seja de sua conta e também não cabe a você especular sobre minha vida pessoal com os patrões. Isto aliás já deveria ser de seu conhecimento. Por isso peço encarecidamente que pelo menos pelas horas que me restam aqui que tenha o mínimo de respeito, tanto pelos seus patrões quanto por seus superiores, entendido?

 a mulher torceu os lábios com desgosto.

- Sim senhorita Hudson. - cuspiu as palavras com irritação e fez uma reverência rápida e indignada.

- Muito obrigada pela compreensão. Gostaria também de avisar que jantarei em meu quarto. Não me sinto à vontade para conversas hoje.

 Deixou a cozinha. Não costumava se apetecer a humilhar ninguém, mas a mulher havia feito isso primeiro, o que a deixara bem irritada.

  Naquela noite Zelda jantou particularmente e dormiu cedo. Sua bagagem permanecera intocada, o que facilitaria sua partida na manhã seguinte.


    Tão logo a manhã raiou ela já estava preparada, trajando o mesmo vestido de viagem com o qual havia chagado no dia anterior. Não se daria ao trabalho nem mesmo de tomar o desjejum ali. 

 Saiu em busca do jardineiro Tom para que ajudasse a carregar a carruagem, mas no meio do caminho encontrou a sra. Barden, cujo molho de chaves que pendia da cintura tilintava ruidosamente enquanto ela se movia com pressa pelo corredor.

- Oh, srta. Hudson, vejo que já está acordada! Precisamos conversar em particular. Gostaria que me acompanhasse até minha sala por favor.

 Será que a mulher pretendia acertar as poucas horas que ela permanecera ali?

- Sra. Barden, creio que não tenho mais nada a acrescentar e se pretende me dar algum tipo de compensação pelo tempo que passei aqui já digo de antemão que recuso, pois não tive tempo de realizar serviço nenhum aqui.

 A mulher virou-se e riu ruidosamente, divertida.

- Céus. Não é nada disso, querida! Eu apenas quero transmitir o desejo de meu...nosso empregador para que fique!




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