A casa no Céu

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A casa no céu

Ela estava sozinha e no escuro. Há muito tempo. Tanto tempo que já não mais sabia quanto, de fato, havia se passado. Também pudera, a cela que lhe servia de cativeiro, pequeno cubículo mediando não mais que 9 metros quadrados, não tinha janelas. Apenas uma porta. Logo, ela nem mesmo sabia quando era dia ou noite e, como não parecia haver um intervalo regular entre os períodos em que resolviam alimentá-la, havia perdido por completo a noção de tempo.

Não que agora isso importasse. Não, não importava mais. Deitada no que um dia fora um colchão, as roupas que usara para ir à escola, naquele dia fatídico, não mais que trapos. Ela só pensava em morrer. Mas nem mesmo essa benção havia lhe sido concedida. Tentou enlouquecer. Afinal, assim deixaria de viver nesta realidade tão aterradora. E, por vezes, acreditava ter quase conseguido, quando lembranças antigas começavam a novamente atingi-la, lembrando-a de tudo que um dia perdera.

Perdas. Essas tinham sido abundantes em sua vida. Apesar de filha de abastado empresário, morando em um bairro conceituado de grande metrópole, e sendo invejada por todas as suas amigas ... sim, apesar de tudo, isso não era feliz. A mãe, não conhecera. A mesma acabara por falecer ao dar-lhe a luz, deixando-a um pai rancoroso de seu nascimento, frio e distante que mal lhe falava entre as inúmeras viagens que tinha que realizar a negócios.

Vivia praticamente sozinha na cobertura onde moravam, tendo sido criada por babás, nenhuma carinhosa como algumas que vira em desenhos e filmes. Algumas lhe ameaçavam, batiam. Ou até lhe negavam algo que era seu por direito. Houvera uma que lhe surrara por, ao levantar durante a noite, surpreende-la com o namorado, fazendo-a prometer que não contaria, ou ela arrumaria suas coisas e iria embora.

Pobre criança sem afeto que era, apegava-se demasiado às babas, empregadas, que muito cedo aprenderam a utilizar-se de sua carência em proveito próprio. Mas ela cresceu. E descobriu que nenhum empregado parecia, de fato, ter-lhe alguma afeição. E que, boa parte das colegas de classe que a assediavam, só o faziam por ser filha de seu pai. Não por quem ela era. E quem ela era?

Entrou em conflito. Parou de comer. O pai foi chamado e lhe deu uma escolha: poderia fazer terapia 3 vezes por semana e se esforçar para melhor, já, ou ser enviada para um colégio na Suíça, onde ninguém saberia que era pai de um ser desequilibrado. Ela fora a terapia. Ela escutara. E crescera. E tivera que melhorar. Sozinha. Ais uma vez, sozinha.

Ela tinha 14 anos, mas parecia mais velha. Não tinha amigas. Aprendera a usar o dinheiro e influência do nome de seu pai em proveito próprio. De caça, virara caçadora. Já não tinha colegas; tinha vassalos, todos prontos a acatar suas palavras e desejos. Os empregados já não mais usavam-na. Temiam-na. Tornou-se esnobe. Simplesmente por que podia ser. E por que tentara ser de outra forma, e só encontrara dor, rejeição e sofrimento. Mal sabia ela que, até então, não havia de fato sabido o que a palavra sofrimento de fato significava.

Aquela manhã começara como qualquer outra. Levantara-se cedo para a escola. Detestava acordar cedo. Mas nisso o pai fora categórico: não aceitava menos que uma filha que falasse inglês, francês e italiano. Além disso, haviam as aulas de equitação e de tênis. Assim, precisava acordar cedo para a escola, para à tarde poder dar conta de todas as suas atividades extraclasse.

Logo, já começava a manhã atormentando as empregadas e copeiras. A disposição dos móveis, não estava de seu agrado. Os croissants estavam insípidos. O cappuccino ficara excessivamente forte, isso pioraria sua enxaqueca. Em suma, eram todas umas incompetentes, e faria chegar até os ouvidos de seu pai - quando ele voltasse de viagem, e se se dignasse a aparecer em casa - garantindo que ao menos uma delas fosse despedida. Assim, mantinha o clima de insegurança e temor. Era temida. Sua vingança por nunca ter sido amada.

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