CAP 1 - *A LUZ DO DIABO*

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          Histeria. Essa era a palavra que mais bem se encaixava para descrever a população do município paraense de Colares naquele Novembro de 1977, onde a morte e o medo do desconhecido andavam descaradamente lado a lado naquelas ruas de piçarra. Foi nesse ambiente que eu e mais dois investigadores da Seção de Informações do 1º COMAR (um órgão pertencente à Força Aérea Brasileira conhecidos como 2ª SEÇÃO ou simplesmente "A2") encontramos aqueles moradores com olhos vidrados de pavor e medo da própria sombra. Eu, Capitão Clóvis, naquela época com 40 anos, na companhia do Cabo Amarantes de 23 anos e do Sargento Romero de 32, fomos incumbidos de prosseguir com a investigação iniciada no dia 25 de Abril de 1977, quando quatro pescadores maranhenses foram atacados por algo que matou um deles e queimou o restante, num ataque até então visto como um incidente isolado. Naquele caso, os referidos civis prosseguiam para uma retirada de madeira numa ilha desabitada localizada na Baía de São Marcos, litoral de São Luís. Devido a maré ter subido enquanto as vítimas realizavam a tarefa já mencionada , decidiram pernoitar na ilha supracitada e, como foi posteriormente relatado, dormiram por volta das oito horas da noite. Então, por volta das cinco horas da manhã, um dos sobreviventes acordou com intensas queimaduras pelo corpo, contudo, apesar de seu estado o mesmo obteve forças para resgatar dois de seus companheiros, pois, o pescador de nome Firmino de 62 anos já havia chegado a óbito. Exames feitos no cadáver do falecido, detectaram como motivo de sua morte um Acidente Vascular Cerebral, devido um grande choque emocional. As vítimas apresentavam necroses pelo corpo e queimaduras de segundo grau, o que nos remete à frase dita por um dos sobreviventes:

            "Eu vi... o fogo!"

          No dia 29 de Abril, os jornais maranhenses divulgaram manchetes escandalosas como a que estampou o principal jornal daquele estado:

            "Misterioso acontecimento na Ilha dos Caranguejos".

          Foi a partir daí e de inúmeros outros relatos (como o do lavrador que foi perseguido por uma enorme bola de luz, fazendo-o cair desmaiado do cavalo e o da viatura da PM do município maranhense de Pinheiro, perseguida por um ÓVNI emitindo sinais luminosos, interpretados pelos policiais como uma tentativa de comunicação) que a Força Aérea resolveu agir e finalmente dar início à OPERAÇÃO PRATO, cujo objetivo era investigar os possíveis fenômenos e incidentes extraterrestres em parte do Nordeste do Brasil. Às vezes me pergunto se tudo o que eu vi e senti realmente foi real, por isso estou a registrar neste diário tudo o que descobrimos durante nossa operação, até então secreta. Tudo aquilo foi há vinte anos, mas ainda hoje ouço os pedidos de socorro do Cabo e do Sargento quando aquelas coisas nos capturaram.

          Chegamos à cidade paraense de Colares (a 98 km de Belém), por volta das oito da manhã de uma segunda feira, já sentindo o clima tenebroso que emanava daquele povo amedrontado. As ruas estavam desertas e com todas as casas e pequenos estabelecimentos fechados, fazendo-nos sentir sob a redoma do pavor, onde a morte espreita pelas rótulas das janelas, isolados de toda e qualquer ajuda. Nós três seguimos para a pequena pousada previamente alugada pelo Coronel Weliton, responsável pela operação, e lá nos instalamos sem nenhum incômodo, recebendo as chaves de um idoso com o corpo parcialmente necrosado por queimaduras não tratadas. No momento em que nos recebeu ele partiu e nunca mais o vimos.

          Às 16 horas, o Cabo Amarantes, jovem paulista de estatura mediana e uma coragem nunca vista antes, apanhou minha caderneta, nossos binóculos, o tripé com o telescópio e ainda preparou nosso fusca para seguirmos para o local dos avistamentos das luzes misteriosas. Já o Sargento Romero ficou encarregado de nosso armamento e estoque de munição para qualquer emergência. Estávamos prestes a entrar no fusca quando ouvimos gritos de socorro vindos do campo de várzea logo atrás da pousada. Rapidamente sacamos nossos revólveres 38 e corremos para auxiliar quem pedia por ajuda. Ao chegarmos lá, vimos um jovem despido e com grande parte do corpo coberto por queimaduras; tinha uma das mãos ensanguentada e a outra segurava algo como um pequeno réptil, coberto por manchas azuis. A Coisa se desvencilhou do rapaz e se lançou à relva, fugindo. Aos pés do jovem, uma idosa com uma enorme fenda recém aberta em seu crânio e agonizando. Recordo perfeitamente de ter visto a mulher dar seu último suspiro, enquanto o jovem corria em nossa direção com olhos insanos e algo azulado escorrendo pelos cantos de sua boca. Gritamos para que ele não atacasse, mas este não obedeceu. O abatemos a menos de dois metros de onde estávamos.

          Alguns moradores enfim saíram de seus esconderijos e se reuniram na rua. Hesitantes, se aproximaram de nós e nos alertaram sobre o que viria a seguir: As tais luzes — algumas vezes eram douradas e em outras azuis ou vermelhas, apelidadas pelo povo como "A Luz do Diabo" — viriam ainda mais ferozes do que nas semanas anteriores; os feixes de luz provocariam mais queimaduras graves na população, causando tonturas e desmaios coletivos, sugando a vitalidade de idosos e crianças, absorvendo tudo o que precisassem e só aí partiriam para o próximo município, até conquistar todo o país. "Aquilo lá na Ilha dos Caranguejos foi tudo teste. A Luz do Diabo, o fogo que o pescador viu... tava só testando nós!", gritou um dos homens no meio da multidão. Eles realmente estavam apavorados, ao ponto de não se incomodarem com o jovem e a idosa mortos em circunstâncias surreais. Naquele momento, deveríamos ter recolhido nossos equipamentos e deixado para trás toda aquela loucura, em vez de permitirmos que Amarantes dirigisse até o Morro do Luzío, onde pessoas e animais foram carbonizados pelas tais luzes.

          Assim que o Cabo Amarantes desligou o fusca cedido pela FAB, olhei em meu relógio de pulso e constatei que os ponteiros marcavam cinco e cinquenta da tarde, mas a vista de cima do morro contradizia as horas. Lá em cima o céu estava totalmente negro, como se a noite houvesse devorado tudo ao redor e uma fraca brisa soprava, farfalhando a relva verde e rasteira do morro, onde um silêncio abismal reinava. Eu e o Sargento Romero nos entreolhamos e resolvemos empunhar nossas armas, retirando-as de nossos coldres presos à cintura. Ficamos eu e o Sargento Romero de vigília, enquanto Amarantes montava o tripé para nosso telescópio, as câmeras Kodak com seus filmes, os blocos de papel para as anotações e um pequeno caderno de desenho para valorizar ainda mais as provas de nossos avistamentos.

          Ficamos horas observando aquele céu, desesperançosos e raivosos por não termos presenciado nenhuma manifestação. Já guardávamos os equipamentos quando visualizei pela última vez as horas em meu relógio prateado: 19:33, hora em que tudo o que tínhamos vivido até ali, nos mostrou a insignificância de nossa espécie, pois, naquele momento observei os ponteiros girarem como loucos até trincarem o vidro, liberando ainda uma pequena descarga elétrica em meu pulso. O Cabo Amarantes reinstalou o telescópio enquanto eu e o hábil Sargento Romero cobrimos o perímetro fazendo a segurança dele. Contudo, logo entendemos que não precisaríamos utilizar o telescópio. Óvnis surgiram em meio a vapores vermelhos que preenchiam vorazmente todo aquele céu negro, onde duas enormes figuras flutuavam. Os Óvnis pairavam sobre nossas cabeças a no mínimo dois mil metros de altitude, sendo que um deles — após emanar um feixe azulado — disparou para o Norte a uma velocidade supersônica sem emitir ruído algum, enquanto aquela maldita coisa que sobrou, com a aparência de um prato cheio de lâmpadas disparando lampejos de luz multicolores em nossa direção, foi brutal.

          O primeiro a ser atingido foi o Sargento, ele estava ao meu lado direito. Seu corpo foi arremessado a cerca de vinte metros de onde estávamos assim que "A Luz do Diabo" o atingiu no peito, fazendo-o soltar um grito que me causa calafrios até hoje. Eu e o cabo corremos para socorrê-lo, mas ao nos aproximarmos dele, outro feixe de luz foi disparado e atingiu em cheio o Cabo Amarantes, que teve parte de seu corpo queimado instantaneamente. Eu empunhei meu revólver enquanto os gemidos de dor e aflição de meus fiéis companheiros arranhavam meu raciocínio e, talvez por isso, não pude perceber a luz azulada alcançar meu corpo, envolvendo-me com uma membrana invisível. Disparei diversas vezes contra aquele óvni, mas em poucos segundos, cãibras realmente dolorosas tomaram meu corpo, bem como dores agudas em minha cabeça e uma tontura que me fizeram desabar próximo aos meus comandados. Eles gemiam de dor e imploravam para que os ajudasse. Quando olhei para o lado, vi a carne do rosto do sargento fervilhar, enchendo-se de bolhas d'água, até finalmente eu apagar.

          E ao acordar, desejei estar morto.

      CONTINUA...

ABDUZIDOSWhere stories live. Discover now