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Emine

— Bom dia, Emine! — Luana me cumprimenta com seu bom humor matinal.

— Fale baixo Luana, por favor— uso os dedos para massagear minhas têmporas que latejam a cada mínimo ruído.

— Estou falando baixo, mas depois de duas garrafas de vinho dos mais baratos, é claro que amanheceria de ressaca — ela me repreende, nem parece que sou eu a mais velha — beba isso, vai se sentir melhor.

Luana coloca um líquido verde com cheiro ruim na minha frente, minha irmã garante que ele acaba qualquer ressaca e ela diz não divide a receita com ninguém. Apesar que eu acho que ela só mistura um monte de coisas no liquidificador e me obriga a beber para ver se meu porre mensal será abandonado somente para evitar a gororoba.

Tem sido assim nos últimos três anos. Todo terceiro sábado do mês pego meus amigos Vitto e Carmin e me acabo com eles. Mas antes que pensamentos pervertidos passem por suas cabeças quero explicar que esse é o nome do vinho que bebo para afogar todas as minhas dores, minha atual situação financeira não me permite ir muito além, afinal, apesar do gosto nada refinado ele cumpre o seu propósito.

Aliviar a dor.

Bebo a mistura esquisita e logo a vontade de vomitar chega, corro para o banheiro mais próximo e só falto colocar minha alma para fora. A promessa de nunca mais beber assim passeia pelos meus pensamentos, mas rapidamente a empurro para longe, pois bem sei que isso é algo que não vai acontecer.

Luana sustenta um sorrisinho no rosto que só me faz ter mais certeza que essa sua receita é uma furada. Volto a sentar na cadeira em frente ao balcão da cozinha onde fazemos nossas refeições.

— Sei que faz de propósito — acuso assim que ela coloca a xicara com café a minha frente.

— Não sei do que está falando — dá de ombros e continua mexendo em suas panelas como se não soubesse mesmo do que estou falando.

É sempre assim, eu bebo, ela cuida de mim com amor e se vinga pela manhã com essa bebida horrorosa, ainda bem que ela me ama, tenho medo do que faria se não amasse.

— Bom dia, meu amor — Tony entra e cumprimenta minha irmã envolvendo-a pela cintura e beijando longamente seus lábios.

— Bom dia, minha vida — chega a embrulhar o estômago o tanto que esses dois são melosos — está tudo bem? — ele me encara parecendo ansioso.

— Emine, nós já conversamos sobre você ficar aqui...

— Desculpa dar tanto trabalho para vocês, Tony — o interrompo lamentando minha estadia temporária que tem, aos poucos deixando se ser temporária.

Acho que preciso mesmo dar um jeito em minha vida.

— Posso continuar? — me pede com o olhar e assinto — pois bem, eu não acho que esteja dando trabalho, mas acredito que está na hora de você dar um rumo na sua vida, lá na fazenda estão precisando de uma pessoa de confiança para cuidar da filha do patrão e eu indiquei você.

Fico engasgada diante das suas palavras. Meu cunhado sempre foi assim, do tipo direto que não costuma medir as palavras e só isso para justificar sua oferta, afinal nunca trabalhei antes. Fabricio sempre cuidou de tudo na nossa casa e depois do acidente fiquei sob os cuidados da minha irmã e do seu marido. Agora eles estão esperando seu primeiro filho e em uma casa com somente dois quartos é fácil fazer os cálculos, eu preciso mesmo de um rumo.

— Tony, eu nunca trabalhei antes, ainda mais cuidando de criança — parece como uma desculpa e realmente é, tenho fugido do novo e eles sabem disso.

Além do Pôr do Sol (DEGUSTAÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora