[Sunshine]

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 Astrid era uma menina ao avesso, gostava de calor, de livros, de chá e de tecer (coisa que não era lá muito normal para alguém com sua idade). Passava horas tecendo em seu quarto escuro, mas não suportava a ideia de um dia de chuva; apreciava a luz do sol mais do que qualquer um poderia imaginar.

 Certo dia Astrid ouviu a mulher na TV dizer que a chuva estava para chegar em sua cidade e, apavorada, a menina se trancou com seu tear em seu quarto e pôs-se a tecer.

 Até aquele momento ela só havia tentado com coisas pequenas, mas Astrid era assim: Na maior parte do tempo cautelosa e, de repente, agia por impulso. Na maior parte do tempo pensava antes de fazer e, de repente, tomava decisões precipitadas e baseadas em sentimentos. Acho que a palavra certa para isso seria imprevisível.

 Observou suas criações: Uma lâmpada mais forte que sua antiga, um vestido novinho como aquele que vira na internet, chá de hortelã, livros e mais livros empilhados (a maioria sobre mitologia). Talvez livros fossem a coisa que Astrid mais tecia, mas com certeza eram a coisa que ela mais gostava de tecer.

 Ninguém reparava no quanto aquela pilha havia crescido nos últimos dias; por esse motivo Astrid não tinha medo de tecê-los.

 Detalhes, os livros se transformavam em meros detalhes na enorme bagunça de seu quarto e, principalmente, na enorme bagunça de sua tapeçaria.

 Coisas grandes, ela pensou, coisas grandes chamavam a atenção, coisas grandes eram perigosas, exigiam muito talento e energia; Astrid nunca fizera nada grande. Ela era uma menina de detalhes, gostava de pensar.

 Mas aquele era um de seus dias de coragem e ela faria o que tinha de ser feito.

 Sendo assim, a menina escolheu seu fio dourado mais radiante, aquele que a fazia lembrar de seus melhores momentos e começou a tecer sua visão mais bela de um dia de sol.

 Dias se passaram antes que ela terminasse, mas quando finalmente a menina se deu por satisfeita, brilhava o sábado ensolarado mais perfeito que alguém já vira.

 Astrid havia conseguido, tecera o melhor dia de sua vida: Tomou sorvete, andou de bicicleta até a praia, entrou no mar, deixou que os ventos constantes secassem seu cabelo, aproveitou todo o calor aconchegante do sol; se sentiu completa.

 Estava decidido: Se dependesse dela, todos os dias seriam como aquele. E foram.

 Toda noite a mulher na TV dizia que a chuva estava para chegar e Astrid, cada vez com mais prática e rapidez, provava que ela estava errada fazendo nascer um dia de sol ainda mais perfeito que o anterior.

 Ela nunca se cansava, a luz do sol era capaz de fazer milagres com seu humor, com seu estado de espírito, com suas fotografias... Era como se ela tivesse nascido para aquilo. Astrid tinha uma alma ensolarada, ela estava certa disso.

 Quão grande não foi sua surpresa ao ouvir alguém reclamando! A menina passou a prestar mais atenção no que as pessoas diziam sobre algo que era obra dela e descobriu que até mesmo seus próprios pais imploravam por um descanso daquele "verão infinito", como chamaram.

 Ninguém nem se dava mais o trabalho de assistir à previsão do tempo, as pessoas estavam tristes como em um dia de chuva, as flores estavam morrendo, o solo secando, a água dos reservatórios acabando... Imaginem que absurdo: Aparentemente, só porque Astrid amava os dias de sol, isso não significava que fariam bem a todos como ela achava que seria.

 Era preciso chuva antes que viesse o arco-íris, ela percebeu. Tudo bem que ela se colocasse em primeiro lugar, mas luz do sol o tempo inteiro não poderia resultar em nada além de um grande e irreversível deserto.

FIM.

Capa topinha do miniconto:

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