01. news

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      news(name): a report of a recent event; intelligence; information

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                                         C A P Í T U L O  1

        Dor. Já alguma vez sentiste dor? Qualquer tipo de dor. Aquela dor aguda em que o ar fica preso nos teus pulmões e não quer sair. Sentes o teu coração bater mais rápido e a tua pulsação acelerar pelo simples facto de não conseguires respirar. Na minha opinião, toda a dor te faz ficar sem ar. Seja dor física ou psicológica, seja um corte numa mão ou uma perna partida. O ar corta-se dos teus pulmões cada vez que sentes algo desconfortável ou excruciante. Talvez seja o teu corpo a avisar-te que não deves voltar a fazer o que te trouxera a dor, porque cada vez essa aflição aumenta e a respiração diminui e aí, chega o dia em que tu acabas por não querer respirar mais. Provavelmente porque até tentar respirar, já dói.

      Eu chamo a isso a fase do suicídio. Quando queres deixar de respirar de vez. Sentes a necessidade de livrar o teu corpo de dor, de tentar dar-lhe uma recompensa por tudo aquilo que ele já passou. Pelos cortes, pelos arranhões, pelas mordidas. Ou talvez pelo facto de sentires que é o teu dever, que é uma maneira de agalardoares as pessoas que te trouxeram ao mundo.

          Sou órfã. De mãe e pai. Ambos morreram num acidente de viação quando eu estava ainda no ventre da minha mãe. Depois de muita ajuda médica consegui sair sã e salva da barriga dela com oito meses. Fui entregue a um orfanato. Soube que os meus pais eram Americanos mas os assistentes sociais não obtiveram informações suficientes para me levarem de volta a casa. Por um lado agradeço, seria muito mais doloroso conhecer a mãe da minha mãe ou o pai do meu pai, ter fotos deles por todo o lado sem sequer os conhecer. 

          Viver num orfanato tem as suas vantagens: não é violento e podes viver rodeado de pessoas que mesmo sem pais, conseguem ser felizes. Eu era uma dessas crianças que brincavam no jardim. Naquela idade não sabia o significado de dor – apenas aquela em que cais ao chão e esfolas o joelho – mas agora com dezassete anos a dor começa a ter outras proporções, a dor de saber a verdade e de percebê-la. Tenho medo por estas crianças. Medo que se tornem aquilo em que eu me tornei. O meu desejo é que todas elas consigam ser adotadas o mais rápido possível. Para que, quando a época da puberdade chegar, elas tenham um ombro amigo. Uma mãe para as ensinar a cuidar do seu corpo.

         Eu posso culpar-me por nunca ter sido adotada. Nunca saía do quarto quando algum casal vistava o lar, nem deixava que me tirassem fotografias para colocar nos quadros da entrada. Sinto que se o fizesse estava a trair os meus pais. Quero eu dizer, quando os tens simplesmente não os trocas quando vês uns melhores.

          Não me posso queixar quanto ao meu aspeto. Muitas das freiras que trabalhavam aqui diziam que eu era bastante delicada e bonita. Eu acreditava nelas. De facto não me consigo considerar feia. Olhos azuis, cabelos castanhos enormes – ao qual posso culpar a falta de cabeleireiros daqui – um corpo minimamente apresentável e um sorriso aconchegante. Mas a verdade é que ser bonita não te leva a lado nenhum quando o interior está completamente estragado. 

          Muitos dos psicólogos que me acompanharam diziam que estava tudo na minha cabeça, que todos os demónios e medos que eu enfrentava só passavam de fantasmas da minha mente. Compreendem que dizer isto a uma criança de dez/onze anos não é algo correto. Na minha opinião, é como se estivessem a dizer a um paciente com cancro no pulmão, que o mal estava todo no pulmão. É óbvio que está. Mas não é por o afirmarem que o problema se vai dissolver. Tem de ser tratado. E o cérebro continua a ser um órgão, tal como todos os outros.

DARK JEANSWhere stories live. Discover now