Sinal Fechado

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A noite tomava os céus sobre o bairro nobre da cidade de São Paulo. Os postes de iluminação da rua jaziam apagados, afetados por qualquer mau funcionamento não resolvido, de maneira que cabia ao luar, timidamente escondido entre as nuvens, dar forma àquele cruzamento, onde o SUV blindado de Carlos esperava pela luz verde do farol.

Ele não gostava de estar ali, sujeito aos perigos que brotavam do asfalto de sua cidade natal como ratos saídos do esgoto. Teria avançado o sinal vermelho, mas conhecia aquele cruzamento, tão próximo de sua residência, e sabia que seria detectado e multado pelo radar caso o fizesse.

"Maldito governo e malditas multas", xingou mentalmente, enquanto girava os olhos de um lado a outro, atento à aproximação de qualquer ameaça. Foi naquele momento que uma figura distante apareceu em seu retrovisor. Era um jovem negro (foi a primeira coisa que lhe chamou a atenção), pela aparência, tinha a idade de seu filho mais velho, mas certamente não se parecia nada com ele: vestia-se com a indecência dos maltrapilhos favelados que constantemente apareciam nos noticiários, cometendo todos os tipos de crimes bárbaros.

Pessoas como ele haviam motivado Carlos a blindar o carro e a comprar o revólver que mantinha no porta-luvas. Pessoas como ele eram a razão de suas preocupações quando o filho mais velho saía com os amigos, quando a mulher ia às compras ou quando verificava a janela do quarto do filho mais novo para certificar-se de que estava bem trancada. Pessoas como ele...

O sinal continuava fechado, o jovem já estava a meio quarteirão de distância e Carlos teve a certeza de que seus olhos vis pousavam sobre seu carro. "Desgraçado!", pensou ele. Como é que aquele povo se achava no direito de tomar o que era dos outros e fora conquistado com tanto trabalho, com uma dedicação que começava na escola particular, estendia-se às faculdades e chegava ao ápice no mundo empresarial? Reclamavam tanto da vida, colocavam-se como vítimas da sociedade, mas por que não procuravam trabalho como faziam as pessoas de bem? Como fez um tal de Josué, sujeito que certa vez procurou emprego em sua empresa. Era um rapaz pobre, cuja aparência lembrava muito a do maldito que se aproximava. "Talvez eu devesse tê-lo contratado", considerou Carlos.

Contudo, seus pensamentos esvaíram-se todos de uma vez, quando o rapaz aproximou-se do carro, apontando a mão para a parte traseira. O coração de Carlos disparou e um arrepio desesperado correu todo seu corpo. O bandido falava, porém os vidros impediam-no de escutar, provavelmente eram ameaças, ditas em um qualquer linguajar asqueroso. Seu braço

estendido mirava o porta-malas, de modo que era difícil enxergar se havia uma arma.

"Mas o carro é blindado", lembrou-se Carlos, se avançasse o sinal os disparos jamais lhe atingiriam. Ele engatou a primeira marcha e estava prestes a acelerar quando olhou de relance para o porta-luvas. Eram pessoas como aquele sujeito que colocavam sua família em perigo e violavam a paz e a ordem da cidade, então não teria ele um dever cívico de fazer sua parte no combate ao crime?

Carlos abriu o porta-luvas com a mão trêmula e sacou o revólver. Sabia que estava sempre carregado, bastou levar o dedo ao gatilho e respirar fundo. O bandido aproximou-se da janela do motorista e, tão rápido como pôde, Carlos abaixou o vidro e apertou o gatilho. O clic da arma foi seco, a trava de segurança continuava ativa! Foi o suficiente para que o jovem se apavorasse e se pusesse a correr como um gato assustado.

Carlos fechou o vidro rapidamente e pousou a testa sobre o volante. O coração estava prestes a saltar pela boca. "Se ele também estivesse armado...", pensou. "Maldito!".

Seus olhos perceberam a mudança de luz do semáforo e ele acelerou o mais rápido que pôde. Chegou a casa num tempo recorde, sem se importar com qualquer limite de velocidade. Abriu o portão automático e chegou a "cantar pneu" para entrar na garagem. A esposa, como sempre, foi recebê-lo com um beijo de boas vindas.

-Você não vai acreditar no que me aconteceu - disse ele, esfregando a mão sobre o rosto.

-Você está pálido! - falou a esposa, arregalando os olhos e depois desviando-os para o carro. - Vamos conversar lá dentro, mas antes, feche o porta-malas, ele está entre-aberto.

Fim

Um conto de Marcelo Cruz

Sinal FechadoWhere stories live. Discover now