A oportunidade

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Diana estava olhando pela janela, distraída, numa fresta entre as cortinas, quando uma voz doce e, a mesmo tempo, autoritária, chamou por ela.

- Di, pode me trazer algumas flores do jardim?

Diana observou a princesa, que dava uma ordem clara. Ela era acostumada com a autoridade, no auge de seus 16 anos, e soava cada vez mais natural. Seu semblante, apesar de jovem, já era pesado, enquanto listava seus afazeres, com o abajur ligado e as cortinas fechadas, embora ainda fossem onze da manhã.

- Mas é claro, Alteza – Diana respondeu, e fez uma breve reverência ao deixar os aposentos da princesa Lara, onde ficava o dia inteiro, esperando que lhe mandasse fazer alguma coisa, ou simplesmente sair, o que era bastante comum. Ela respirou fundo assim que fechou a porta atrás de si.

Agradeceu aos céus quando, enfim, saiu do palácio. Estava cansada de se sentir trancada ali, subindo e descendo as escadas, arrumando camas e trazendo refeições. Não era para isso que havia chegado àquele lugar, para começar. Não era pra isso que havia se esforçado e se preparado tanto, desde criança.

Foi até o térreo, ansiosa para sentir o sol nas bochechas. Cumprimentou alguns guardas e umas pessoas que moravam no castelo porque eram amigas da rainha, e saiu para o gramado. Colheu algumas flores do jardim, achando aquilo um pouco desnecessário; afinal, por que a princesa Lara não se dava o trabalho de ela mesma vir e apreciar aquela beleza toda?

Virou-se, preparada para voltar a seus afazeres, quando o avistou, e teve que parar para observá-lo. Apolo estava em seu uniforme, caminhando sob o sol, com seus olhos escuros concentrados e atentos. Ele tinha toda uma equipe de soldados para treinar naquele dia, e a preocupação parecia sair por seus poros.

Porém, quando viu Diana, ele abriu um sorriso, deixando seus homens um pouco de lado, e esperou que ela fosse falar com ele.

- Bom dia.

- Bom dia, irmãzinha – Apolo respondeu, com um olho nela e outro nos soldados. – Veio pegar flores pra princesa?

Ela fez que sim com a cabeça. Seu irmão havia conseguido o que Diana mais almejava no castelo: entrar para a guarda real. Eles saíram de casa com os mesmos objetivos, treinaram do mesmo jeito, sabiam usar as mesmas armas. Mas só ela recebera um redondíssimo não. Que uma mulher poderia fazer para proteger a rainha?

Em vez de virar soldado, para não ter que voltar para casa, Diana virou criada no castelo. Queria estar com uma arma na bainha da calça, e não um pano de prato pendurado no braço. Despediu-se de seu irmão e voltou para dentro, onde ficaria pelo resto do dia, se a princesa não a chamasse para segurar sua sombrinha enquanto passeava pelo gramado no fim da tarde.

Mas ela sabia que jamais poderia se sentir tão deslocada e distante do ar fresco quanto a princesa Louisa. Todo mundo sabia que a primogênita, a próxima a subir ao trono, provavelmente era feita de cristal. Desde que nasceu, como a mãe de Diana costumava contar, a mais velha da sucessão real era escondida no alto de uma torre, longe de tudo e de todos. A imprensa nunca vira Louisa, e nem seus parentes mais próximos, diziam as más línguas. Ela vivia num castelo distante, com alguns empregados, professores e médicos, sem contato algum com o mundo aqui fora. Quando o príncipe-consorte Ricardo falecera precocemente, e Diana era muito pequena, a rainha Clarisse não quis que sua filha corresse risco algum.

Diana até que entendia sua rainha. Depois de perder o marido, ela precisava da garantia de que Louisa pudesse assumir o trono caso algo acontecesse com ela. E isso fazia com que a princesa vivesse isolada daquele jeito. Diana sentia um pouco de pena, para ser sincera.

Mas não podia perder tempo pensando muito, como ouvia a princesa Lara dizendo para si mesma quando tinha muito trabalho a cumprir. Diana também tinha centenas de coisas para fazer, na cozinha, nos quartos, nos banheiros. Não podia se dar ao luxo de ficar no jardim observando o irmão e sonhando com algo que nunca poderia ter, e com o que, se ela soubesse, teria evitado perder tanto tempo na adolescência.

Voltou para dentro do palácio, que, embora moderno, era cheio de decoração antiga – e costumes antigos também, Diana gostaria de poder admitir. Subiu as escadas, falou com alguns outros guardas que pareciam simpatizar com ela, e entrou no quarto da princesa, com várias flores lindas e cheirosas nas mãos. Fez uma reverência e pediu licença para colocar o buquê em um vaso na mesa de trabalho da princesa, que não lhe concedeu um mísero olhar sequer, e muito menos agradeceu pelas flores. Diana ficou parada, em pé, porque não tinha o direito de se sentar em qualquer lugar que fosse, e esperou por mais alguma ordem, que não tardou a chegar.

- Di, me prepare um banho, por favor. Estou estressada.

- Sim, Alteza. – E virou-se novamente para fazer o que fora mandada, quando ouviu batidas na porta.

- Atenda, Di – ordenou Lara, e Diana obedeceu.

- Oi, Di – falou o mordomo, Thales, sorrindo para ela. – Tudo bem?

- Tudo – Diana sussurrou, e sorriu também. – O que tem aí? – e apontou para o envelope que Thales tinha nas mãos.

- Recado da rainha – respondeu. Ao ouvir isso, Diana saiu da frente e anunciou seu amigo.

- Alteza, o mordomo Thales.

- Deixe-o entrar – a princesa deu sua permissão, parecendo que jamais iria tirar os olhos de sua escrivaninha, mas logo levantou a cabeça na direção de Thales. Embora estivesse cansada, seu rosto impecavelmente maquiado e o cabelo preso em um coque baixo não saíam do lugar. – Algo importante?

- Sim, senhorita – respondeu ele. – Sua Majestade, a rainha Clarisse, tem um recado. – Ao sinal da princesa, Thales de aproximou, e pôs o envelope nas mãos dela, e fez uma reverência, provavelmente esperando que ela lhe dissesse para se retirar.

A princesa, porém, nada disse. Leu o bilhete com a respiração pesada e uma expressão estranha, como se o que lesse fosse uma surpresa. Ainda sem proferir palavra alguma, Lara levantou-se, segurando a barra do vestido azul com as mãos, e saiu do quarto, apressada.

Diana ainda achava esquisita toda aquela burocracia quando a rainha poderia, simplesmente, ligar ou mandar uma mensagem para o celular da filha.

- O que será que aconteceu? – perguntou Thales, dirigindo o olhar para a porta por onde a princesa havia saído.

- Não sei – respondeu Diana. – Na dúvida, vou preparar o banho dela, porque, pelo jeito, vai voltar mais estressada do que saiu.

Thales levantou as sobrancelhas e se dirigiu à saída. Diana preparou o banho, mas a princesa não voltou durante o dia inteiro, e ela ficou meio sem ter o que fazer.

Às noite, em seu quarto pequeno, nos fundos do palácio, ela esperou a visita do irmão, mas Apolo não apareceu. Ele devia estar muito ocupado, agora que havia passado na prova, subido uma patente e era responsável por alguns soldados. No momento, ninguém era responsável por Diana, embora ela, mesmo já com 21 anos, sentisse falta da proteção dos pais, de ter um abraço e um beijo antes de dormir. Agora, só podia se contentar com o barulho da chuva que caía lá fora e a televisão que conseguira comprar com seu salário de criada.

Sem pensar muito, resolveu assistir alguma coisa, pois sabia que era a hora do jornal. Mas se surpreendeu ao se deparar não com os jornalistas, e sim com a rainha Clarisse e a princesa Lara, no que, aparentemente, era um pronunciamento oficial.

- ... para anunciar oficialmente – dizia a rainha Clarisse, por detrás de um púlpito – que minha filha, princesa Louisa, que por todo esse tempo viveu longe dos holofotes, está recrutando uma guarda real.

- Minha amada irmã - a princesa Lara deu continuidade –, futura rainha, está prometida em casamento, e logo será apresentada ao povo. Mas, antes, ela mesma realizará uma seleção para formar sua guarda pessoal. Os interessados deverão se inscrever...

Diana não ouviu o resto. Olhou pela janela, atônita, os pingos de chuva descendo pelo vidro, emoldurando os fundos do palácio lá fora. Essa era sua oportunidade, pensou. E, dessa vez, não iria deixar passar.


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A torre mais altaWhere stories live. Discover now