As luzes em neon colorido piscavam no topo dos arranha-céus enquanto eu seguia pela calçada abarrotada de criaturas nojentas. Elas se espalhavam por todos os lados, como cães de caça, esperando o menor dos deslizes para entrar em ação e estraçalhar a cabeça de alguém.
— Malditos sanguessugas! — praguejei.
— Cala a boca, pirralha! Quer estragar tudo de novo? — A voz rugiu pelo comunicador em meu ouvido.
Mordi a língua para não mandar Gabriel para o inferno. Eu não podia entregar meu disfarce estando tão perto. Relanceei a coisa que ficara para trás, certificando-me de passar ilesa por seu radar. Eu tinha que concluir o objetivo dessa vez, nossa vida dependia disso.
Vida... Como defini-la? O que é estar vivo?
Não havia um único dia em que a pergunta não permeava por meus pensamentos. Até onde eu sabia, a vida há muito deixara de fazer qualquer ligação com o orgânico. Fomos além de algo tão banal quanto átomos de carbono aglomerados uns aos outros. A raça humana não se deteve, e o preço lhe foi cobrado.
Ajeitei a lente dos óculos para a função zoom enquanto me aproximava do galpão abandonado ao lado da Iconic Enterprise. O perímetro estava vazio, o único abalo captado por meus olhos foi o andar assustado de um gato cinzento, escondendo-se atrás de um contêiner de lixo. O movimento dos aero planadores continuava frenético, os motores zunindo acima da minha cabeça. Nunca gostei de trafegar nessas geringonças, eram rápidas demais e não havia um único piloto com quem conversar durante as viagens, apenas botões e metal, como todo o resto.
Um dos drones de vigilância sobrevoou a área e esgueirei-me rente à parede de concreto do galpão, observando minha retaguarda. Nenhum sinal de sanguessugas.
— Continue em frente, Leti. O caminho está livre pelos próximos vinte minutos — orientou Ivan.
Vinte minutos. Esse era o tempo que eu tinha para entrar lá, armar a bomba de C4 que carregava na mochila e encontrar um lugar seguro antes da próxima ronda dos vigilantes. Avancei até a janela mais próxima e pulei para dentro com o coração batendo em um ritmo acelerado, a adrenalina tomando conta de minhas veias.
O lugar fedia a vômito e urina. Montes de lixo se amontoavam pelo chão, junto aos escombros do que um dia fora um laboratório renomado. Tijolos destruídos, louças arrancadas, portas arrombadas. Exceto uma, aquela que separava a construção esquecida do conglomerado cibernético ao lado. Ela era o meu alvo, o ponto zero.
Retirei o mapa holográfico de dentro do bolso do moletom à procura do caminho mais rápido até o meu objetivo. Tracei a rota com os dedos e, em um micro centésimo de segundo, a máquina respondeu. Eu precisaria atravessar pelos tubos de ventilação até a sala principal, e de lá para o corredor sem saída que terminava na porta vermelha. Os tubos de ar eram estreitos, mas eu já sabia disso. Na verdade, eles eram o principal motivo de eu não ter sido substituída na missão depois do fracasso da minha primeira tentativa. Eu era a única com o corpo pequeno e magro o suficiente para passar por ali.
Três minutos já haviam se passado desde o aviso de Ivan. Apressei-me e escalei uma das paredes até alcançar a abertura quadrada no teto. Tive que pendurar a mochila na frente do corpo ou não caberíamos no pequeno espaço. A passagem era abafada e só me permitia engatinhar, de cabeça baixa e com o suor pingando da testa. Por sorte, a lanterna dos óculos ainda funcionava após tantos anos desligada. Quando se vive em um mundo rodeado de lâmpadas e luzes coloridas, uma lanterna acaba entrando em desuso.
Cinco minutos depois de me arrastar como um animal, desci na sala escura que dava passagem para o corredor. O lugar permanecia quase intacto à ação do tempo, com computadores antigos sobre as mesas, uma máquina estranha recheada com doces e chocolates, e uma televisão com tela de LED. Era o santuário das quinquilharias, exceto pelas guloseimas, talvez. Peguei uma das embalagens e procurei pela data de validade. Doze de julho de 2017. Quase setenta e três anos desde o vencimento.
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Codinome: SANGUE
Short StoryA humanidade é observada há milênios, estudada nos mais minuciosos detalhes. E, ao contrário do que se imagina, o perigo não vem de fora. Abra os olhos, ou será tarde demais. Eles são como nós. A tecnologia é o futuro e ela usa o mais imprevisível d...