1.2 - Quarta-feira

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    Recebi uma mensagem de Julie me chamando para uma reunião de quarta-feira naquela igreja. Pensei e repensei e enfim resolvi aceitar. Seria às sete e meia e já eram seis horas. Preparei uma roupa simples, uma calça com uma regata e uma blusa de xadrez por cima, com um tênis para combinar com o visual.
   Eram seis e cinquenta quando terminei de passar o gloss e colocar o tênis.

  Minha mãe havia saído para jantar com as amigas da empresa que ela trabalhava. Papai estava na sala assistindo a um filme qualquer que passava na televisão. Seus cabelos estavam bem bagunçados e na mesinha de vidro no centro da sala, podia se ver uma lata de cerveja.

— Vai a onde? — Louis pergunta assim que termino de descer as escadas.

— Vou na igreja aqui perto, quer ir comigo?

  Era um convite um tanto louco vindo de mim. Mas minha consciência não parava de dizer para não deixá-lo sozinho ali com as inúmeras latas de cerveja no freezer.

— Não meu bem, estou cansado do trabalho. — diz se ajeitando no sofá.

   Assenti e dei um beijo em sua bochecha antes de sair. Podia sentir o cheiro do álcool, o que era insuportável. Uma vaga lembrança de Skye surgiu em minha mente, o odor insuportável de cigarro em seu carro no dia da festa.

   Pego o carro na garagem e vou em direção a igreja. A rua estava silenciosa, não havia muitas pessoas e nem mesmo crianças passeando com os pais. As luzes dos postes eram as únicas coisas que iluminavam.
   Em menos de dez minutos eu chego na igreja. Tinha pessoas na frente conversando e outras chegando. Respiro fundo antes de tomar coragem para descer do carro, minhas mãos estavam geladas como de costume e eu tentei esquentar esfregando uma na outra.

   Desço do carro e o tranco em seguida. Atravesso a rua que me separava da igreja.

— Mariana! — Julie exclamou assim que me aproximei. Até então eu não tinha a visto conversando com uma menina ruiva que disse um oi timidamente. — Achei que não viria, já que me deixou em um leve vácuo no Whatsapp.

— Ai meu Deus, me desculpa. Eu pensei tanto que esqueci de responder.

  Rimos juntas e ela apenas disse que estava brincando. Meus olhos analisaram o local mais uma vez e eles pararam onde Jonathan se encontrava. Estava bonito, com uma calça jeans e uma blusa do grupo jovem dali. Seu cabelo estava com o mesmo penteado dos dias em que o vi.

— Você já conhecia o Jonathan? — Julie pergunta depois de reparar que eu o encarava. Ela olhou de mim pra ele e depois pra mim. — Vi o dia em que você saiu daqui e ele foi logo atrás. O que aconteceu?

   Pigarreio e enrolo meu cabelo em um coque, mas logo solto. Antes de lhe dar uma resposta, eu suspiro.

— É uma longa história Julie, outro dia eu te explico.

— Temos bastante tempo, falta meia hora para a reunião começar.   

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   Explicar tudo para Julie não foi algo fácil. Eu não sabia nem se devia confiar nela, mas ela estava procurando a me ajudar e eu sabia disso. Ouviu tudo atentamente até que eu terminasse de contar sobre o acidente e esses três anos achando que ele já tinha virado pó.

— Mariana, vou fazer uma pergunta pra você. E preciso que seja totalmente sincera. — diz segurando minha mão. Eu assinto e espero ela fazer a pergunta. — Você está cansada da vida que leva? Ou prefere que continue assim?

   Abaixo minha cabeça e olho para os meus pés. Eu já estava cansada de pensar em não viver mais, estava cansada de descontar minha raiva e tristeza em meu corpo.

— Você já pensou em suicídio? — ela pergunta assim que percebe o quanto eu estava pensando em uma resposta. Balanço minha cabeça afirmando e ela suspira. — Eu também pensei, quando eu ainda não conhecia Jesus. Não tinha um dia se quer que eu não pensasse em suicídio por causa do meu namorado que havia me traído. Eu tomei conhecimento que não era aquilo que Jesus queria pra mim e que era um vazio que somente Ele poderia preencher. Só Ele pode preencher o vazio que você sente.

   Aperto os meus lábios na tentativa de segurar meu choro que provavelmente iria ficar descontrolado a qualquer momento. Respiro fundo antes de responder algo, eu queria mudar de vida. Eu queria me livrar das sombras do passado.

— Eu quero mudar Julie, mas algo fala comigo que eu não vou conseguir.

— Isso é o diabo Mariana, eu também pensava assim e olha onde eu estou hoje. — ela diz sorrindo. — Ele queria fazer de tudo para eu não voltar para Deus. Até colocou meu ex-namorado no caminho para me impedir. EU, não deixei ele me vencer.

   Uma lágrima escorre dos meus olhos e eu a seco rapidamente. Pude ver Jonathan nos observando em um canto enquanto algum amigo tagarelava no seu ouvido, mas aquilo não importava, não importava se ele estava me vendo.

— Você vai conseguir Mariana, você já deu o primeiro passo que é querer. — ela diz segurando minhas duas mãos. — Eu sei que você deve estar achando que não sabe orar, ninguém sabe. Orar é como conversar com uma pessoa e essa pessoa é Deus. Se abre com Ele hoje. Diga tudo o que está se passando com você.

»»»»

   Eu me senti incrivelmente bem ao final da reunião. Sabia que estava fazendo a coisa certa e eu não importava se teria que abrir mão dos meus amigos, aliás...eles nunca foram meus amigos de verdade e ali eu encontrava pessoas no qual me fazia bem, até mesmo Jonathan.
   O observo sorrir, ele estava vivo e eu deveria ficar feliz por isso. Skye gostaria que ele estivesse vivo. Acho que ele percebeu que tinha alguém o encarando já que ele procurou pela pessoa até seu olhar cruzar com o meu e me virar rapidamente para ir embora.

   Não seria fácil começar a me acostumar com a sua presença. Com o seu sorriso aberto para todos os lados e com certeza as lembranças de quando eu tinha doze anos e era apaixonada por ele. Será que ele lembrava disso?

   Entro no carro e ligo o som em uma música qualquer da Cindy Lauper no meu telefone.

  

Entorpecida - Vol 1Onde histórias criam vida. Descubra agora