Angst

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As luzes brilhando em um tom escarlate o cegavam.

Shiro queria correr, mas suas pernas não funcionavam e seu corpo ao menos parecia pertencer á ele. Ao olhar para os pés, esperando que haja algo concreto para o qual observar, Shiro encontrou pernas que não pareciam as suas sendo banhadas por um líquido violeta que continuava subindo até seu tronco. O fato de Shiro não sentir até que alcance sua cintura o fez entrar em pânico mais uma vez, pois aquilo só podia significar que haviam o roubado mais, como haviam feito com seu braço direito há um tempo.

As vozes encantando em uma língua que não soava humana o faziam perder a cabeça por si mesmas. Ele não podia levar a mão para o rosto para se esconder das luzes e dos olhares o julgando enquanto balançavam a cabeça antes de se virarem de costas para sua figura, como se eles estivessem desapontados com o resultado de uma experiência escolar. Shiro queria desaparecer, mas ele nunca havia se sentido tão concreto e real quanto naquele momento, e aquilo o aterrorizava.

Logo as agulhas se faziam presentes mais uma vez, e ele tentava gritar com a sensação aguda que havia se tornado tão familiar, mas era difícil saber se Shiro ao menos ainda tinha sua voz para fazê-lo ou se apenas os barulhos eram altos demais para ele se ouvir entre os sussurros. Depois de um tempo com aquelas agulhas em diferentes tamanhos sendo espetadas em seu corpo, Shiro já não tinha certeza se os barulhos não estavam apenas em sua cabeça.

A pior parte era a mulher. Pelo menos duas vezes na semana – ou pelo menos, o que Shiro assumia passar com uma mente instável como a sua – ela aparecia; talvez para checar se ele ainda poderia aguentar o dobro da dor que estava sendo submetido ou se ele poderia finalmente servir o propósito pelo qual estava sendo preparado. Shiro imaginava que aquilo tudo fosse para alguma coisa, e ele não saberia dizer se algo iria melhorar se ele estivesse certo.

Ela sempre chegava deslizando pelo chão, como parecia pelo campo de visão turvo e limitado de Shiro. Com um capuz cobrindo a maior parte do seu rosto e uma voz que saía do fundo de sua garganta, ela parecia ainda mais aterrorizante com aquele dialeto estrangeiro enquanto segurava o rosto de Shiro entre seus dedos compridos e ossudos. Ele tentava não olhar para seu rosto, pois uma vez em que sua visão finalmente parecia se estabilizar sobre a pele púrpura e as marcas ao redor de seus olhos fundos, algo parecia despertar naquela mulher; o que a fazia soltá-lo brutamente apenas para rosnar algo para os seres ao redor.

Shiro havia memorizado os atos. Se todos deixavam a sala em seu comando e eles ficavam sozinhos com outras três figuras encapuzadas nos cantos, Shiro tentava se preparar para o pior (e nunca funcionava, por mais que ele tentasse), pois o estrondo das portas se fechando sempre era seguido do som semelhante á um fósforo queimando antes de Shiro apagar daquele momento. Suas memórias eram invadidas de uma forma dolorosa, o fazendo arder por dentro como se suas retinas estivessem sendo expostas á radiação e seu cérebro estivesse sofrendo as consequências de uma forma tão lenta que o fazia desejar a morte em uma piscada. Shiro odiava tê-la em sua cabeça, pois a dor de ver as pessoas que ele amava sendo torturadas em uma manipulação era pior do que ter agulhas espetadas em seu corpo o tempo inteiro.

Mas, se ela virava-se e os outros seres continuavam na sala, aquilo significava que Shiro apenas seria colocado dentro do tubo com o líquido viscoso e violeta subindo até o topo de sua cabeça por algumas horas, talvez dias. Ele nunca sabia o que estava acontecendo, e a sensação de estar sempre se afogando naquele tubo sem a possibilidade de morrer de uma vez não parecia tão ruim devido ao alívio de Shiro de não precisar ser destruído por dentro constantemente. Ele sempre preferiria ser atingido com aquelas torturas que feriam sua pele e seus ossos do que aquelas que feriam seu psicológico.

mercury ✧ shattWhere stories live. Discover now