Capítulo 25- Silêncio.

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A criança que fui chora na estrada.

Deixei-a ali quando vim ser quem sou;

Mas hoje, vendo que o que sou é nada,

Quero ir buscar quem fui onde ficou.

-Fernando Pessoa

Entro correndo tropeçando na entrada e caindo no pseudo-tobogã e escorrego enquanto me debato até finalmente cair no chão. O salão tem um brilho fúnebre e pálido. As tochas que circulam o salão redondo estão todas recém apagadas. O cheiro de cinzas e fuligem invade o meu nariz, faz os meus olhos arderem e dá uma crise de espirros. A luz da lua que entra pelo buraco do salão, no topo do tronco é desviada por milhares de folhas é a única coisa que me permite enxergar o espaço ao meu redor.

Vou me guiando pelas sombras dos objetos e pelos poucos feixes de luz clara e fraca fragmentados que atravessam o ambiente. Meus pés tateiam o chão e minhas mãos a parede até que alcanço as folhas que separam o meu quarto do resto do salão.

Entro e deixo que o meu corpo desabe sobre a rede do meu quarto. Estou tão nervosa que preciso segurar ambas as minhas mãos uma na outra para evitar que continuem tremendo. Tento controlar a minha respiração e fecho os olhos. Minha cabeça, um turbilhão. Não é só porque ele me deu uma bronca, porque gritou comigo mesmo sem nunca ter gritado. É porque estou com medo, cheguei aqui e desde o instante em que pisei na Terra do Nunca as coisas começaram acontecer de uma maneira completamente diferente de tudo aquilo que eu imaginei.

Por que tá tudo isso acontecendo? Por que esse lugar de bosta não consegue ser perfeito como nas histórias que me contaram? Por que os personagens não seguem o roteiro dos filmes da Disney?

Por que? São tantos porquês que não tenho a mínima ideia de como conseguir respostas ou por qual deles começar. Isso me deixa confusa, muito confusa. Bufo. Uma. Duas. Três vezes.

-Você precisa entender que finais felizes não existem.- ouço a voz de Sininho e um zumbido de asas no meu ouvido. Ela se liberta do emaranhado de nós que é o meu cabelo e voa ficando a minha frente. Sei disso porque o seu brilho levemente dourado força meus olhos a se abrirem.

-Do que você está falando?- murmuro baixo, a voz quase não conseguindo escapar pelos meus lábios.

Ela leva a mão aos cabelos amarelos e desfaz o coque perfeito. Parece cansada mas eu não tenho certeza. Seu rosto é pequeno demais para que eu enxergue a sua feição com detalhes.

-As outras duas Darling que vieram pra cá acreditavam em finais felizes. Isso foi o que acabou com elas. Vocês estáticos, humanos, tem que entender acima de tudo que isso não existe. Que toda história de quaisquer que sejam os reinos mágicos foram modificadas. Eu sei que é da natureza de vocês procurar algo que possa lhes dar algum apego ou trazer algum tipo de comodidade que os faça seguir em frente. Mas esse é o problema, vocês precisam dar sentido pra absolutamente tudo, até pra próprias vidas pra continuar vivendo. Não existe esse prazer animal de simplesmente viver.

-Okay Sininho.- digo abanando a minha tentando enxotá-la. – Você tá sempre falando que nós humanos somos uns bostas por não termos magia e ficarmos por aí estudando e tentando entender as coisas. Desculpa, mas eu realmente não posso fazer nada se nasci assim. Aliás, eu sei bem que finais felizes não existem, não sou tão ingênua assim.

-Se você não acredita porque coloca toda sua expectativa em nós? Nesse lugar, no Peter ou em mim? Fica acreditando que aqui todos nós temos que ser perfeitos conforme a sua perspectiva e que devemos atuar como os personagens das histórias que te contaram. Nós somos pessoas antes de tudo e vivemos num mundo diferente, no entanto regidos pelas mesmas regras que o seu. Você tem que parar de esperar que tudo seja perfeito. Temos mortes, tragédia, fome, maldade e também temos magia, felicidade, amor e empatia. Andamos na mesma linha tênue que vocês: entre o amor e o ódio entre o que é ruim e o que é bom.

Me Leve Para A Terra Do Nunca ( EM REVISÃO)Where stories live. Discover now