I_Manhã de terror

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Era manhã, para ser exata, a de 22 de janeiro. Eu tinha 7 anos, era conhecida pelas crianças da região por construir muito bem casas na árvore e morava com minha família em uma grande fazenda, famosa pela plantação de maçãs e produção de cidra. É nessa fazenda que essa história de tristeza começa: em uma manhã ensolarada, quando fui até o curral da minha fazenda, que havia sido emprestado a Fernando Fernandes_ homem sério e até um pouco assustador, apesar de muito bonito, que havia se mudado para a fazenda vizinha com o filho mais velho, Felipe de 11 anos, e já havia tido alguns problemas com meu pai, principalmente por conta da poluição por sua parte do rio que passava pelas duas propriedades_ até que ele acabasse de se estabelecer, mas que pertencia ao meu pai.

Eu estava desenhando a planta de uma nova casa na árvore que construiria com meu pai e meus dois irmãos: Miranda, de 5 anos e Manoel, de 10. Logo que cheguei ao curral, me sentei atrás de alguns caixotes, como fazia sempre, e fui desenhar. De repente, passos... Dois homens chegaram a passos largos e fortes, parecendo estar nervosos:

— Agora não tem mais jeito! Eu já mandei a carta, e aquele idiota bem que merece. Vai logo para a cachoeira. E lembre-se: Meio dia. Nada mais, nada menos.

— Eu sei. Mas não está com medo de que alguém descubra?

— Se alguém descobrir, já sabe: Não vai dizer nada que me incrimine. Tem uma dívida comigo.

— Sem problemas. Sei o que estou fazendo.

Fiquei parada. Um deles tinha um revólver preso ao cinto. Tomei coragem e coloquei o olho em uma fresta entre os caixotes. Consegui ver o rosto de um deles: Fernando Fernandes.

Por um instante, fiquei paralisada e pensei em mil coisas, mas aquela hora seguia na minha cabeça. Meio dia... Meio dia.

Assim que saíram e ficaram a uma boa distância, decidi correr. O melhor seria avisar para alguém que aqueles dois tinham planos que não pareciam bons. Passei pela parte de trás do curral, pulei uma pequena cerca, atravessei uma parte pequena e muito rasa do rio, onde os animais bebiam água e me vi entre árvores. Corri o mais rápido que pude por um pequeno bosque. Quando cheguei perto da cachoeira, atravessei uma ponte de corda e passei por trás de um paredão de pedra que ficava atrás de uma estrada mínima que dava em uma gigante queda até o rio. Resumindo, eu dei a volta para não ser vista por eles, que caminhavam lenta e calmamente.

Quando cheguei à estradinha, percebi quem era o alvo: meu pai, que estava parado exatamente no meio dela. Olhei o relógio. 11:59. Vi que o homem estava posicionado atrás do paredão, em uma fresta. Não era possível, porém, ver seu rosto, pois estava encoberto pelo sol.

Corri muito, gritando "Papai! Papai!", mas ele parecia não me escutar. Talvez o medo fosse tão grande que minha voz não estivesse saindo. Quando eu estava a cerca de 2 metros de distância dele, ele me olhou e sorriu.

De repente um estrondo. Um tiro. Ele começou a bambear. Segurei sua mão, mas meu pai despencou me puxando. Consegui segurar com as pernas em uma árvore na beirada do abismo, mas não era forte o suficiente para conseguir puxá-lo.

Ele estava muito fraco. Eu já sabia o que iria acontecer, e tive mais certeza ainda quando meu pai fechou os olhos e soltou minha mão. Segurei em um cinto que ele havia ganho em um rodeio quando tinha 20 anos. A árvore parecia podre e eu sabia que não aguentaria por muito mais tempo. Nem ele.

— Eu não vou te soltar, papai!— Gritei.

Nesse instante, minha mãe chegou com meu irmão e me puxou, com a ajuda de um empregado da fazenda. Manoel foi até a casa correndo ligar para a ambulância. O empregado me puxou, mas quando eu estava chegando à terra firme, o cinto do meu pai arrebentou.

Aquele momento foi tão pavoroso que os detalhes parecem ter sido apagados da minha memória. Minha mãe chorava desesperadamente olhando o homem que tanto amava cair pelas pedras. O cinto permanecia em minha mão.

Desci por um caminho de pedras até a piscina que era formada pela água cristalina que descia da cachoeira, mas que agora tinha um tom de roxo. Já se misturava com o sangue do meu pai. O MEU sangue. Desci ainda com esperança, mas já sabia o que iria encontrar.

O corpo boiava nas águas calmas, já preso em algumas pedras. O cordão de ouro que ele carregava no pescoço arrebentou, se perdendo nas águas como a vida de seu dono.

Manoel entrou correndo na água, chorando muito. Ele tentava reanimar meu pai, mas nada era suficiente.

Eu não queria mais ver aquilo. Não queria mais sentir a alma do meu pai se dissolvendo naquelas águas claras. Foi quando vi Miranda, que chorava como nunca havia chorado em toda sua vida. Pobre garota. Mal tinha completado seus 5 anos e já passava por aquela dor. Será que ela entendia algo? Bem, pelo menos não tinha visto nosso pai cair. Provavelmente havia chegado junto com Manoel, ou sido levada até lá pelo barulho do corpo na água. Eu a abracei. Nós duas jamais havíamos nos abraçado com tanto carinho como naquele dia. Talvez a dor estivesse nos unindo.

Manoel salvou o chapéu que meu pai amava usar e adorava usar de ser levado pela calma correnteza ao longo do rio. Sim. Ele estava morto. Jamais construiríamos a casa que eu estava desenhando. Jamais voltaríamos a rir de frente para uma fogueira nos dias frios. E tudo por culpa de um homem que mal havia acabado de chegar às nossas vidas e já as havia destruído. Não é possível que ele havia tirado uma vida apenas por alguns desentendimentos. Não... Havia algo mais, e eu iria descobrir.

...

Eu estava com a ideia fixa de quem era o assassino, mas ninguém acreditava em mim. Depois de jurar vingança a Fernando e desejar a morte de toda a sua família; depois de acusá-lo sem trégua; Depois de escrever com tinta vermelha, como se fosse sangue, a palavra "assassino" nas paredes de sua casa, fui chamada por todos da cidade de louca, e minha mãe me mandou para um colégio interno na capital do estado.

Mas um dia eu teria que voltar para descobrir o real motivo da morte de meu pai...

E para me vingar do assassino.

Apesar Da VingançaWhere stories live. Discover now