4- Flores vivas

33 6 2
                                    


Me parece que ela entendeu que o sentido que sua vida tomou, a levou a um abismo. Algum terceiro, mesmo sem saber, teria lhe dado a mão e lhe trazido de volta a vida.

Jogou fora todas as flores mortas que encontrou em sua casa, e coloriu as paredes pálidas pela primeira vez formando uma linda aquarela. Gargalhou ao crer que estava louca, ao deixar o estilo gótico no qual sempre viveu. "Talvez esse fosse o sentido de viver: cultivar gotas de insanidade num mar de sensatez."

Foi ao mercado naquela tarde e comprou vários tipos de flores, mas agora vivas e coloridas. Seus olhos brilhavam ao ver aquelas flores, sentindo-se como elas. Não se sentia mais como uma flor de plástico apenas enfeitando a prateleira, se sentia como uma mulher a realizar um papel importante no mundo em que vivia, mesmo não vendo possiblidade para isso.

- Dona Maria! Que surpresa te ver por aqui. - Disse o Seu José.

Não soube como reagir e não continuou a conversa. Não havia ficado feliz em vê-lo, como nunca havia ficado em momento algum de sua vida. Até quando já haviam passados momentos considerados felizes aos olhos da sociedade, ela sabia que nunca foram.

Seguiu seu caminho para casa, olhou-a por fora e ali permaneceu. Seus olhos se encheram d'água. Não sabia ao certo se sentia orgulho, satisfação ou vergonha dela mesma. Mas não era dia de chorar, hoje não. Mas de alguma forma a vida lhe levou ao passado, como se estivesse forçando-a a responder a segunda questão: "de onde vim?"

Veio de uma infância passada num piscar de olhos, com a figura paterna inexistente e a materna constantemente presente, cheia de amor, carinho mas nula de liberdade. Na adolescência desejou voar e acabou se prendendo em outra gaiola, mas essa nunca pôde chamar de lar. Na fase adulta voou para outra, a qual sempre se prendeu, convivendo com uma estranha que costumava chamar de "eu".

De algum modo ela desviou suas lembranças. Sabia que "de onde eu vim?" seria a pergunta mais difícil de responder, contando que as respostas moravam numa época que ela lutava para esquecer.

Seguiu até a cozinha e ocupou seu pensamento ao fazer um bolo para o menino, repassando todas as palavras que ele lhe disse ao telefone. "Talvez eu ainda seja importante para alguém. Talvez alguém ainda sinta algo por mim", pensava ela.

Sua consciência gritava para que ela respondesse aquela pergunta, e mesmo que tentasse ignorar, ela sabia que teria que responder.

EnsimesmadaWhere stories live. Discover now