Amostra 1 - Consulta psiquiátrica

9 1 0
                                    


"O nervosismo não me atinge já há um tempo" disse dando de ombros, sem fitá-la nos olhos.

A Doutora Paula ouvia atenciosa e sem expressão. Nunca entendi como alguém poderia querer seguir a carreira de psiquiatra ou psicólogo. Passar a vida ouvindo quão na merda os outros estão, vendo as pessoas como realmente são: nada além de criações do acaso. Alguns acabam se virando na vida, abençoados pelo acaso, a maioria se fode, mas dá um jeito de não ficar alheio ao fato de que a vida é uma merda sem sentido. Outros nem ao menos tem essa chance. Deve ser por isso que dizem que os próprios psicólogos são os loucos.

"Como você se sente quando precisa falar na frente de toda sua turma?" Nenhuma entonação, nenhum sútil vibrar em sua voz ou postura, mas eu ainda sentia uma diferença ao ouvir os fonemas que juntos formavam aquelas palavras. Nós dois sabíamos que aquela era a origem do que havia de errado comigo.

Talvez se eu morasse em outra cidade, ou apenas tivesse frequentado outra escola, as coisas não seriam assim. Talvez. Acaso.

"Normal."

"Seus colegas não o intimidam?"

"Um pouco. Mas acho que não me importo muito mais." Passei a encará-la, mentindo a ela e a mim próprio.

"Entendo" disse ela, então ponderando por um segundo. "Sabe, Iago, há três principais formas pelas quais podemos nos comunicar. A primeira é a fala, obviamente."

Sempre gostei de suas explicações sobre a psique humana.

"A segunda é pela linguagem corporal. Às vezes, ela pode ser bem objetiva."

A Doutora abriu a mão e bateu com um pouco de força sobre uma pilha de livros em sua mesa, emitindo um forte barulho.

"Se eu fizesse assim, você logo perceberia que eu estou bastante irritada, certo?" Assenti. "A linguagem corporal também pode ser mais sútil. E por fim, há o olhar. Quem nunca ouviu que um olhar vale mais que mil palavras?" perguntou levemente descontraída.

Apenas a encarei, assim dizendo-lhe para que continuasse. Linguagem corporal.

"As pessoas são seres adaptáveis, suscetíveis. Os garotos que o intimidam o fazem provavelmente porque antes foi assim que aprenderam a manifestar seus egos. E é assim que eles continuam a fazê-lo. Você me contou que simplesmente os ignora quando o fazem, e sim, isso é importante."

Ouvia atenciosamente ao que ela falava enquanto ela me encarava meticulosamente. Eu às vezes desviava o olhar, o contato visual prolongado me deixava desconfortável.

"Mas também é importante que você lhes diga que você não se sente mais intimidado por eles. Não que você deva chegar neles e falar 'Não me sinto intimidado'" disse ela, novamente descontraída. "Quando passar por eles, mantenha a postura ereta, a cabeça erguida. Não como uma criança pequena tentando parecer mais alta, mas como simplesmente um jovem de 16 anos que não se sente intimidado. Você acha que pode fazer isso?"

"Posso tentar."

"Ao fazer isso, você estará dizendo não só a eles, mas a si mesmo, que se sente bem. Pode ser difícil no começo, nada que valha a pena vem da noite para o dia. Mas temos de começar em algum momento."

Assenti.

"Você ainda tem se consultado com Cristina? Ela poderia provavelmente explicar melhor do que eu sobre isso."

Disse-lhe que não. Cristina era minha psicóloga com quem eu me consultava também. Com o tempo passei a considerar que meu tempo com ela não valia o precioso dinheiro de meus pais. Não precisava de ninguém com quem me abrir. Talvez nem dos remédios para insônia e ansiedade que Paula me receitava. Precisava me mudar. Ir para longe e começar do zero. Não me importava com minha situação atual. Acreditava que nem me sentia abalado psicologicamente com isso e que quando me mudasse para Florianópolis assim que acabasse o ensino médio e entrasse na universidade tudo mudaria. Sofrer bullying não deve ser a pior coisa no mundo. É uma merda, não vou mentir. Uma merda bem grande e nojenta, mas eu iria sobreviver.

Insaciável (Cenas)Where stories live. Discover now