A Aprendiz

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Antéria,

02 de Dezembro 1546
Sarah Turner





Estava de frente para aquele pequeno caixão, sentindo uma dor inexplicável, uma dor que imaginava que nunca mais sentiria. Mas ela era minha irmãzinha e sabia que sendo a mais velha, era minha obrigação protegê-la. Tinha jurado a nossa mãe que cuidaria delas, de todas elas, mas tinha fracassado.


Loren era a caçula da família, tinha apenas três anos de idade quando não resistiu a fome e a pobreza absoluta em que vivíamos.

Em um dia ela estava brincando comigo, entrelaçando fitas em meu cabelo como se estivéssemos nos preparando para um baile real, e em outro doente e fraca sem conseguir nem mesmo sustentar um pequeno sorriso em seus lábios trincados e feridos pela febre.

Quando seus olhinhos se fecharam, eu não consegui chorar. A dor me possui de tal maneira que parecia estar anestesiada. Talvez presa á um pesadelo horrível, mas sem ter ninguém para me despertar.

Pensei em dar fim a minha própria vida para nunca mais ver o sofrimento de nenhum deles, mas eu não podia fugir. Não depois de nosso pai ter se transformado em um bêbado irresponsável e inconsequente.

Após a morte de minha mãe ele se fechou completamente. Nem mesmo estava em casa quando Loren faleceu. Ressentia-me dele, por ser tão fraco e ausente. Por deixar todo peso sobre meus ombros. Peso esse que a cada dia ficava ainda mais difícil de suportar.

Minhas outras duas irmãs, Beca e Lucy, eram sobreviventes assim como eu. Mas até quando? Quanto mais ainda precisaríamos sofrer até que viesse um refrigério?

Enquanto nada acontecia e ninguém parecia disposto a intervir por nós, eu decidi abandonar meu posto de vitima e copiar o espirito guerreiro de minha prima Clarissa, pois apesar dos pesares e de saber que toda sua força e determinação não estavam direcionadas a nós, mas sim a um sonho surreal de ser reconhecida como a verdadeira dona do trono de Antéria, uma piada repetida tantas vezes que conseguia até mesmo convencer os de mente mais inocente e corrompível, mas naquele momento copiar seu espirito guerreiro parecia o melhor a fazer.

Caminhei de volta para casa com o coração dilacerado, mas não conseguia parar de pensar em Clarissa. Pensar no quanto podíamos ser tão parecidas fisicamente e ao mesmo tempo tão diferentes em todo o resto. Tínhamos quase a mesma idade e os mesmo cabelos cor de fogo, mas ela era tão segura de si, nunca abaixando a cabeça ou demonstrando fraqueza. Eu, por outro lado tinha tanto medo de ficar sozinha. Medo que os que eu amava sofressem sem que pudesse fazer nada para evitar. Fechei os olhos com força para afastar todo esse medo que teimava em vir à tona e apressei meus passos. Queria chegar logo em casa, mas ao passar pela soleira da porta, uma ideia me veio a mente. Peguei uma das capas de minha tia Charlotte. Sabia que Clarissa guardava algumas coisas de sua mãe em um velho baú. Não era a favor de mexer nas lembranças dela. Tinha certeza que por mais que não transparecesse ver a mãe ser decapitada sob as ordens do próprio pai, não era algo a ser esquecido.

Mas naquele momento coloquei de lado tudo que pudesse me impedir e peguei a capa vermelha. Não era a mais discreta, porém me aqueceria.

Corri para fora, e quanto mais me afastava, sentia o vento frio entrar queimando por minhas narinas, e mesmo sem rumo eu sabia com todo meu coração que não desistiria de tentar.

Pensei em ir para o campo e implorar por grãos, mas meu pai tinha sido expulso por beber ao invés de trabalhar. Por muito pouco não perderam toda uma plantação pela negligência dele, e se fosse pega roubando poderia ter minhas mãos cortadas ou ir direto para a forca. As leis eram claras e não enxergavam nada além das ordens de um rei paranoico e cruel. Odiava ter que ouvir os boatos sobre a ideia de que eu era uma Walker e não uma Turner. Meu pai podia ser um bêbado, mas nem de longe poderia ser comparado a um homem tão cruel quanto o rei.

A HerdeiraWo Geschichten leben. Entdecke jetzt