8. Cachaça e Vodca

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2017

Uma boate não é exatamente o lugar onde se quer estar quando se está totalmente perdida. Meu corpo estava ali, mas minha mente flutuava eternamente na morte de Charlie. Eu conseguia ainda enxergar o caixão, sua imagem horrenda no necrotério, o corpo deformado e distorcido. Fui eu que fiz o reconhecimento, porque era demais para dona Carla, sua mãe, fazer isso. Eu só não disse que era demais para mim também. Bebi mais um gole de Vodka e senti o gosto amargo queimar minha garganta. Cinco minutos depois meus sentidos estavam amortecidos, embriagados.

Lembro-me com detalhes daquele dia, Charlie deitado na mesa fria era apenas mais um dos vários corpos ali. Estava dentro de um saco preto. Fazia frio e até hoje eu sinto a mesma culpa me corroendo por dentro. Seu rosto estava arranhado, machucado, com vários hematomas, estava pálido, não havia mais cor em seus lábios, não havia mais seu sorriso radiante, não havia mais vida naquele corpo. Haviam cortes nos braços, o abdômen estava aberto, conseguia visualizar alguns de seus órgãos internos. Algumas lágrimas escorreram dos meus olhos, silenciosas. Minha mãe estava do meu lado mas ela nem sequer olhava em meus olhos. Apesar de tudo, ali na minha frente ainda era o Charlie e aquilo doía, doía muito.

Vênus estava ali sentada do meu lado no bar, bebia apenas uma cerveja. Ela colocou a mão fria em minha coxa e foi só aí que eu despertei do meu transe. Ela me encarava, o olhar minucioso, observando cada detalhe da  minha expressão facial. Eu forcei um sorriso para ela e resolvi beber mais um pouco antes que ela perguntasse alguma coisa. A música estava alta, explodia em meus ouvidos, não era capaz de escutar nada além de um ruído sem identificação.

— Lara. — Vênus me chamou, eu estava novamente em um transe estranho.

Eu a encarei por alguns segundos atenta

— O barman tá perguntando se você quer mais alguma coisa.

Eu o olhei e ele sorriu educadamente para mim. A prateleira de bebidas atrás dele era extremamente atraente. Eu retribui seu sorriso.

— O que tiver de mais forte. — pedi estendendo o copo vazio. - Deixa a garrafa.

Meus ouvidos continuavam zumbindo, novamente eu não conseguia ouvir mais nada. A música alta parecia longe. Minha cabeça girava mais ainda por conta da bebida. Em poucos minutos eu acabei com o conteúdo do copo. Eu estava extremamente tonta, embriagada, meus sentidos estavam amortecidos e eu ria atoa. Enchi o meu copo e entornei um pouco da bebida no balcão.  Eu me deliciava vendo as várias Vênus gostosas na minha frente. Haviam dois barmans também. Estava com um sorriso largo no rosto.

Bebi mais uma dose sem nem pensar. Eu estava nas nuvens, não havia mais morte, dor ou qualquer outro sentimento ruim. Tudo estava bem, até que eu escutei Vênus de novo.

— Lara, para, não é nem uma hora e você já bebeu demais. — repreendeu-me com a voz séria e gritando por cima da música alta.

O barman parou de nos dar atenção e foi para o outro lado do bar atender dois caras, que praticamente nos devoravam com os olhos. Me senti uma garotinha acanhada com aquele par de olhos tão azuis que chegavam a ser violeta me encarando daquele jeito. Todo meu empoderamento de mulher feminista foi embora naquele momento. Garanto que fiquei procurando-o por um considerável tempo, mas, acredite, naquele momento eu era apenas a pequena garotinha que viu uma banheira cheia de sangue durante a madrugada. O outro cara, moreno, com o cabelo raspado olhava para Vênus e eu imagino que seus pensamentos não eram nada politicamente corretos. Todavia Vênus estava de costas para eles, ocupada demais me analisando, mesmo assim confesso que senti muito ciúmes.

Acho que isso é a coisa mais desgraçada do mundo. As vezes tinha vontade de colocar Vênus num lugar onde só eu pudesse desejá-la daquela maneira e amá-la como só eu conseguia, como só eu era capaz. Observei os dois por bons instantes, o bar estava cheio, mas eu só me concentrava naqueles dois. Depois de longos minutos Vênus seguiu meu olhar e os viu. Talvez a minha atitude não tenha sido a melhor de todas, mas eu puxei Vênus para um beijo demorado. Ela se assustou primeiro, porém logo depois correspondeu descendo a mão pelas minhas costas e apertando minha coxa. Tinha sabor de cerveja e o cigarro que tínhamos dividido há meia hora atrás. 

Penhascos do drama [Completo]Where stories live. Discover now