IX • O Verdadeiro Herói • FINAL

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Quando o vídeo terminou, uma lágrima estava escorrendo no semblante roxo de Zytron. Ele sentiu-se grato por ninguém poder enxergá-lo por baixo do capacete fechado. Após se recompor, virou-se para o monstro albino e indagou:

— O vídeo disse que era para serem apenas sete anos. O que foi que aconteceu?

A voz medonha respondeu na mente do alienígena:

"No quinto ano da viagem, o sol de um sistema próximo explodiu, criando uma supernova. A onda de destruição disparou asteroides para todos os lados. A Draggueus foi gravemente danificada por várias colisões, além da radiação massiva destruir boa parte do sistema interno.

"Os asteroides desviaram o cruzador da rota. Mesmo com inteligência, jamais fomos treinados para religar os motores positrônicos. Você mesmo acaba de ver como a sequência holográfica é complexa. Tivemos que esperar você voltar.

"Então, esperamos. Nos alimentamos da antimatéria, nos reproduzimos, e aguardamos por milênios. Finalmente nossa hora chegou! Estamos prontos para servi-lo, meu pai! Seremos seu exército na reconquista do Multiverso!"

Todas as outras criaturas voadoras se agitaram mais ainda, como se estivessem ouvindo atentamente à conversa. Guincharam quase que em uníssono, tal como se fossem urros de aprovação. 

Nesse instante, o lugar inteiro começou a tremer. Outra vez se ouviu barulho de metal se retorcendo.

"Termine de religar os motores, pai!" insistiu o monstro de vinte metros. "Precisamos entrar no hiperespaço antes que o quasar nos trague por completo!"

— Tem razão — concordou Zytron, concentrando-se novamente na tarefa de organizar os objetos tridimensionais que luziam ao seu redor.

Enquanto isso, ele despontou a falar. Embora estivesse imerso no som de guinchos e bater de asas, ele percebeu que o poder mental das criaturas permitiria que todas ouvissem.

— Meus filhos... Eu preciso me desculpar com vocês. Não ensinei a maior de todas as lições, então aqui vai: ninguém nasce com preconceito. Ele é ensinado.

"O que quer dizer com isso, pai?" indagou o ser albino, seus tentáculos se agitando no chão. As garras em brasa pendiam nervosas pela tremedeira ininterrupta do local.

— Minha amnésia foi uma benção. Agora consigo enxergar com clareza. Eu também não devo ter nascido preconceituoso, alguma coisa certamente me motivou a agir dessa forma. Na certa foi um trauma emocional ou algo do tipo.

Alguns dos cristais que orbitavam ao redor da esfera de luz central começaram a cair. Isso gerou uma oscilação no globo, cujo tamanho começou a aumentar indiscriminadamente.

"Pai, o gerador de antimatéria!" falou telepaticamente a criatura. "Ele está instável, precisa consertar isso, rápido!"

Zytron parou de mexer no painel holográfico e se levantou da cadeira flutuante. Ele fitou o filho e continuou seu discurso:

— Sem essa mágoa dentro de mim, vejo o quão terrível foram as coisas que eu fiz. Genocídio intergaláctico, isso é inédito no Multiverso. Posso não saber ao certo quem eu sou, mas sei exatamente quem eu quero ser. O passado é imutável, mas sou dono do meu futuro.

"Pai, não me diga que você..."

— Me perdoem, meus filhos. Mas nós temos que morrer.

O globo de luz de trinta metros se expandiu e se contraiu logo em seguida, ficando do tamanho de um grão de areia. Um segundo depois, explodiu com tudo, engolindo os dezenas de quilômetros do cruzador estelar. Ao longe, viu-se um pontinho brilhante sendo engolido por um gigantesco disco luminoso.

O quasar absorveu a energia do que um dia foi a Draggueus, a nave que carregou sonhos esperançosos e megalomaníacos. As raças do Multiverso continuaram sua jornada rumo ao infinito, sem saber que seu pior inimigo foi também aquele que os salvou.

O DEUS DO MULTIVERSO 🚀 Ficção CientíficaWhere stories live. Discover now