Prólogo

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Sabe aquela sensação de impotência? Aquela angústia de quando você sabe que a culpa de todas as cagadas que aconteceram foram provenientes, única e exclusivamente, sua? Pois é assim que eu me sinto. Eu que sempre tive o controle nas mãos, assisti há poucas horas atrás tudo indo ralo abaixo.

Sempre achei muito clichê a imagem de pessoas com problemas que saem para beber e afogar suas magoas no álcool.

No fim das contas me encontro como a música diz: "Tornei-me um ébrio e na bebida busco esquecer; Aquela ingrata que eu amava e que me abandonou...". Não sei por que pensei nesse trecho, ninguém com menos de 70 anos vai entender essa referência e nem a merda que a pessoa que escuta essa música se encontra.

Devo estar mesmo no fundo do poço... Pensando nas músicas de Vicente Celestino.

Se o pessoal do Muay Thay vê isso... Serei a chacota por semanas.

Olhando ao meu redor, mesmo com a mesa do bar cheia, ainda sinto um vazio. Talvez hoje não tenha dado certo, essa coisa de beber para esquecer como venho fazendo. Mas por que estou reclamando da solidão? Por toda a minha vida sempre priorizei o sucesso e o dinheiro, nunca me importei em fazer amigos... Observo todos eles que estão me fazendo companhia e não consigo lembrar seus nomes. Minha vida já está complicada o suficiente e a ultima coisa que quero usar é minha memória. Mas para que me preocupar com isso? Estou pagando por tudo, dou o nome que eu quiser a cada um deles.

Simples assim.

Esta taça, por exemplo, vou batizar de "azulão". Nela veio um líquido azul e seu nome era lagoa alguma coisa, gostei! Era forte e fez um efeito quase imediato. Vou pedir mais uma rodada daqui a pouco. Em minha mesa também não faltou a cerveja. Esse outro copo pequeno veio a boa e velha tequila, sem a necessidade de sal e limão. Para que amenizar?

Na cabeceira da mesa um copo de whisky. Espalhados pela mesa alguns outros copos preenchem o espaço. Não posso esquecer esse drink verde com gosto de menta, vou chamá-lo de Hulk. Autoexplicativo para que o garçom traga logo outro.

Ah! O garçom... Nos encaramos e posso ver dentro de seus olhos a piedade. Ele sabe que estou com problemas e não consigo calcular quantas pessoas passam por esse bar todos os dias em busca do mesmo que eu.

Esquecer.

Espero que ele não venha até aqui para ser meu psicólogo, não iria aguentar. O bolo formado em minha garganta já esta difícil o suficiente até para engolir, sem contar que minha situação já está patética demais para eu começar a chorar como uma criança.

Lágrimas. Luto constantemente contra elas e não ficaria bem a essa altura da vida me tornar uma pessoa sentimental. Eu que nunca chorei quase não me reconheço mais.

É oficial! Estou mesmo sofrendo do complexo de mulherzinha.

Sentimentos nunca foram muito presentes em minha vida e a julgar pelos últimos acontecimentos, agora mesmo que nunca serão.

Foi tudo tão rápido e inesperado que quando percebi as coisas tinham fugido do meu controle e então era tarde.

Mas não apenas eu ferrei com tudo. César Abrantes. Meu principal concorrente e agora inimigo.

Ele não sairá impune!

Em questão de segundos ele destruiu uma vida inteira de trabalho e dedicação. Acabou com a credibilidade de implacável que eu tinha no mercado e tirou das minhas mãos a consagração. Não satisfeito, me atingiu ainda mais fundo e tirou de mim o que mais me importava. Meu ódio e vontade de vingança só não são maiores que a minha vontade de sumir do mapa.

Mas com ele posso lidar depois, a única certeza que tenho nesse momento é que ele pagará muito caro por tudo que fez hoje.

Acho que preciso dar uma gorjeta ao garçom por ele ter desligado a musica melancólica que tocava. Caso contrário seria o retrato da degradação. Percorro meu olhar pelo bar vazio e vejo alguns garçons recolhendo ruidosamente as cadeiras num claro sinal que estão fechando e que preciso ir embora.

Voltar para casa. Como? É o ultimo lugar que eu quero ir. Costumava ser meu lugar preferido, mas agora é tão cheia de lembranças e ao mesmo tempo tão vazia.

Com o cotovelo na mesa, escoro minha cabeça que agora pesa e ao erguer meus olhos posso ver Jéssica adentrando o bar com uma mistura de aflição e alívio nos olhos.

- Graças a Deus eu te encontrei! - Diz aproximando-se. - Eu estou há horas rodando os bares do entorno e... - Interrompo levantando a mão num gesto para que se cale.

- Definitivamente me buscar em bares não está nas suas atribuições de estágio. Vá embora! - Digo com a voz mais enrolada do que supunha que estaria. Ela me olha hesitante com tristeza e empatia sentando-se na cadeira vazia a minha frente.

- Eu sinto muito pelo que aconteceu há pouco. Eu sei o quanto você...

- Não quero falar sobre isso. - Tento encerrar o assunto. - Meu único desejo no momento é continuar só. - Abaixo a cabeça e encaro o copo a minha frente.

- Desculpe, mas esta ordem não vou obedecer. - Jessica levanta-se de forma decidida. - Vou pagar a conta e já volto! Tem um taxi esperando na porta. Ficar aqui não vai resolver os problemas. - Decreta e se dirige ao caixa. Permaneço na mesa e começo a repensar a proposta de emprego que lhe faria na segunda-feira. Insolente. Pergunto-me por que as pessoas resolveram me desafiar ultimamente.

Esboço um sorriso fraco olhando-a falar com o garçom e só um pensamento passa pela minha cabeça "Eu criei um monstro". Meses atrás, quando a contratamos, jamais agiria assim. Mas ela tem razão, preciso colocar meus pensamentos em ordem e agir.

- Vamos! - Jéssica me chama já ao meu lado enquanto me ajuda a levantar.

Ao levantar minha cabeça roda e vejo que meu equilíbrio não está em seus melhores dias. Devia ter tirado os sapatos antes de levantar, uma pessoa bêbada já tem dificuldades para caminhar no plano, ainda mais tendo que me equilibrar no meu louboutin altíssimo. Se eu tropeçar ou enterrar os saltos em algum bueiro será muita tragédia em um só dia. Estragar meu louboutin novinho seria o fim.

Ajeito meu vestido e tento caminhar com a cabeça erguida, sendo amparada por Jéssica, tentando reunir o resto de estabilidade que ainda tenho. Não estou derrotada.

Afinal, meu nome é Laura Loureiro e sou presidente da maior indústria farmacêutica do hemisfério sul. Quer saber como cheguei a essa situação deplorável?

Vou te contar minha historia...

Uma Curva No Jogo [Degustação]Where stories live. Discover now