o caminho.

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– Me deixa! - ela berrou para o moço que tentava ajudá-la. –Que diferença faz se eu me jogar daqui ou não? Você não sabe de nada! – suas palavras borravam o ar, acompanhando suas lágrimas pretas do rímel.

– Se você me permitir, será que eu poderia me sentar ai com você? – o moço era airoso: gentil e de aparência galharda, porém um pouco judiado pela idade.

E ele foi em direção à beira da ponte, onde a menina estava com os olhos fixos no oceano que se estendia sob ela.

– Então, o que trouxera a senhorita até aqui? Boa ou má ventura? – ele tinha a voz doce, com uma pitada de desespero. Não, ele não podia surtar agora. Calma.

– Os empecilhos da vida. – respondeu a moça de longos cabelos negros, que mais pareciam um céu estrelado por conta da luz dos postes que refletiam à água. Ela beirava aos prantos. – Por que está aqui? Não tinha mais nada pra fazer? Sei lá, pessoas normais não costumam dormir agora?

– Ora, estava eu, passando por essa ponte, em direção a minha casa, e de repente vejo uma garota compenetrada, olhando e assentindo o mar. Logo pensei: essa ai perdeu o senso! Tá louquinha! Não tem sanidade! – sua voz era rouca e cômica, com um tom de ironia.

Você deve ter pensado que ela deu uma risadinha, né? Uma levantadinha de sobrancelha seguida por uma espécie se gargalhada forçada? Mas não. Ela estava determinada a não ser impedida.

– Seu otário, por acaso você acha que eu, aqui, querendo me suicidar, vou dar ouvidos a suas piadinhas? – Sua pupila era brasa. Fogo vivo. O moço acabara de colocar lenha na fogueira.

– Sabe, eu costumava pensar que a vida era só isso – ele começou –, que não havia nada mais, nada menos: rotina. Mesmos sentimentos. Sem novidades. O cotidiano é osso. Mas sabe, você deve ter um motivo realmente duro para estar aqui... – ele olhou para o abismo sob seus pés.

– É, não quero falar sobre isso. – o fogo agora se apagara; estava seca, sem reação. Ele acabara de jogar água sobre as chamas: nada mais que cinzas se encontravam ali.

Ela chorou. Pense em lágrimas. Jorrada de gotas. Cachoeira saindo de seus olhos.

– Quando eu tinha sua idade fui obrigado a trabalhar fora, precisava ajudar meu pai a sustentar a família. Eu só queria poder aproveitar a adolescência. Durante toda a minha vida, tive um único objetivo: não dar o mesmo futuro para os meus filhos, e foi o que fiz. No começo pensava que isso era uma espécie de utopia, impossível de acontecer, mas sabe, a vida faz isso com a gente mesmo: nos açoita pelas costas. A gente que decide se vai fazer o curativo ou não.

Silêncio encheu o ar. Até que ele disse:

– Não sei o que te fez tomar essa atitude, o que você está sentindo agora, só espero que, de certa maneira, você pense nessa conversa; não vou te obrigar a desistir, implorar que você viva, mesmo acreditando que todo ser é único, precioso. Sempre disse que queria que meus filhos escolhessem seus caminhos, e vou lhe dizer o mesmo: escolha seu caminho. Estarei torcendo por você.

– Obrigada. – disse ela, com os lábios trêmulos. – Você foi a única pessoa que se importou comigo em meses, mesmo não me conhecendo. Mas eu sei que caminho seguir. – um longo silêncio se estendeu, até que ela finalmente disse: – você mudou minha vida. Serei eternamente grata por isso.

E ela sorriu.

O moço abraçou-a, despediu-se. Foi embora. Até que sentiu uma lágrima escorrer por sua bochecha. Ouviu-se um som no mar. O senhor virou-se e olhou na direção que se encontrava há pouco tempo.

Não havia ninguém.

Ela se fora.

o caminhoWhere stories live. Discover now