m u d a n ç a

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"Nada é permanente, exceto a mudança."

- Heráclito

***

Acredito que você não sabe o primeiro dia que nos conhecemos. Mas isso não era de se esperar, já se passaram tanto tempo e tantas coisas aconteceram na minha vida e provavelmente na sua. Porém, aquele dia ficou na minha mente, me assombrado em meus sonhos.

Eu nem devia me lembrar, devia ter de fato esquecido, ter te superado, não ter sentindo nada. Mas a questão é: Eu quero sentir algo. Eu preciso sentir algo. Se não o que "eu" seria? Eu amei você e mesmo que lute contra mim mesmo, isso não vai mudar.

Por isso estou aqui lhe escrevendo Bruno, para te mostrar todos os fatos que não sabe e os que acha que sabe, a fim de está livre totalmente de você.

Provavelmente você deve achar que nos conhecemos no dia daquele jogo de basquete, certo?

Devia ser aí, na verdade poderia muito bem ter sido esse dia. Assim, evitaria várias noites em claros que ficava pensando em você e evitaria uma das maiores desilusões amorosas de uma pessoa. Mas a verdade Bruno, é que eu te observava bem antes desse jogo, antes de você ter feito a pior coisa que podia ter feito comigo.

Antes de tudo.

E é por aí que vamos começar.

Eu ainda consigo me lembrar até mesmo dos pequenos detalhes daquele dia e dos dias seguintes. Lembro até mesmo de tudo em você, aquele seu sorriso e principalmente seus olhos.

Os mesmos olhos que observei em uma manhã extremamente quente de sábado, foi a primeira vez que o sol apareceu depois de semanas de dias nublados.

Coincidência?

Talvez.

Você ainda se lembra quando sua família comprou aquela maldita casa ao lado da minha?

Pois é, foi aí que tudo iniciou para mim. Por maldição ou pegadinha do destino, você, entre aqueles três quartos, escolheu logo o que a janela dava de frente para a minha.

Naquele tempo minha família já sabia que eu era "diferente" dos demais garotos, pois eu gostava deles de um outro jeito, além da amizade. Sim, sou gay e gostava bastante de ler e ainda gosto, mas no dia da sua mudança eu estava iniciando um livro especial de um autor que hoje eu não consigo me lembrar o nome, o que me fez ficar em casa no único dia ensolarado.

Minha mãe sempre gostava de novidades no bairro e ao ver vocês chegando ela veio correndo me contar.

- Os vizinhos chegaram filho! - ela estava bem animada - O carro deles é bem chique por sinal.

- Hum, interessante mãe . - respondi para ela totalmente desinteressado e eu não queria saber de você e nem da sua família até aquele dia.

- Você não quer ver eles? Lá da sala da pra ver tudo. Eles têm um filho, sabia?

- Humrum, depois eu vou. Vai fazendo a pipoca sem mim - sorri e virei a página.

Minha mãe retribuiu meu sorriso e saiu fechando a porta.

No primeiro instante eu nem liguei, continuei lendo deitado sobre a cama vestindo um short preto e uma camisa amarela, que por sinal eu amava.

Ainda hoje consigo me lembrar que depois de algumas páginas que lia, eu ouvi algum barulho vindo do seu quarto, bem baixinho, porém, foi suficiente para me desconcentrar.

Não sei se foi por curiosidade ou espanto, mas eu me levantei.

E acho que essa foi uma das piores escolhas.

Eu devia ter lido aquele livro até de noite ou até pegar no sono. Mas não, eu fiquei de pé e fui até a janela, e naquele momento eu ti vi, você estava usando sua camisa cinza que usaria três dias depois, no dia que nos conhecemos de fato.

Você nem me notou ali e muito menos me notou quando eu estava caindo de delírios por você, um desconhecido incrivelmente lindo, que no começo iria ser apenas um vizinho gato, mas que no dia seguinte eu descobriria que se chamava Bruno e alguns meses depois se tornaria a minha pior decepção.

Mas naquele dia eu não pensei nas consequências, apenas observei você se agachar e pegar alguns livros que haviam caído das suas mãos. Seus cabelos castanhos caíram levemente sobre a testa e para minha surpresa você girou a cabeça na minha direção e olhou para meu quarto.

Eu tenho certeza que você não me viu ali, eu estava no cantinho, ainda perto da cama. Mas por algum motivo você deu um sorriso de canto enquanto olhava meu quarto e eu nunca descobri o motivo, será se você riu por causa da bagunça que ele se encontrava?

Ou

Por causa que de alguma maneira hipotética você sabia que um idiota (no caso eu) estava te observando?

E para ser sincero, você nem precisou tirar a camisa para eu sentir algo dentro do meu calção se remexendo e notar que meu coração batia forte e alto.

Enquanto você olhava meu quarto eu tive a visão dos seus olhos e eles eram tão azuis. Muito azuis por sinal e pela primeira vez eu prendi a respiração quando um garoto sorriu.

E foi ali Bruno, que você me ganhou.

Naquele momento que você sorriu de canto sem ao menos saber que eu te observava, você me conquistou e passou a invadir meus sonhos todas as noites desde então. Eu não queria você na minha cabeça, não queria me deixar levar, mas aconteceu e eu não posso negar...

Eu gostei.

Mas agora nos dois sabemos o fim que isso levou.

E por isso te escrevo.

Na verdade ainda não tenho certeza se te enviarei isso, mas sinto que se eu puser para fora tudo sobre nós, você ficará no passado...

Onde deve ficar.

Sabe, para ser sincero, depois de anos descobri que meu erro não foi ter me levantado e te olhando pela janela - isso foi apenas consequências - e sim, ter sido fútil o suficiente para me apaixonar por sua beleza.

E esse tipo de "amor" não tem futuro.

Ou talvez, de uma forma bem distante, não tenha sido futilidade como eu tinha imaginado. Mas isso você só descobrirá no final dessas cartas.

Eu ainda te odeio, mas você fez parte de algo importante na minha vida e sei que eu, de alguma maneira, também mexi em algo na sua.

E isso nem eu e você podemos negar.

Aqui estará posta toda nossa história.

Nossos altos e baixos, felicidades e tristezas.

Tudo que você sabe e não sabe.

Tudo.

Eu estou perdidoOnde histórias criam vida. Descubra agora