Conto. Tema: infidelidade.

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Doce, amargo e proibido


       Cheguei exausta da faculdade, eu cursava ciências contábeis e trabalhava à noite num bar, por isso de dia costumava ser um zumbi. Desabei sobre o sofá, depois é que me dei conta de que minha mãe estava estendida de forma dramática sobre a mesa da cozinha com uma garrafa de cachaça barata.

       – O que foi, mãe? – Aquilo eram horas de encher a cara?

       – O Pedro me deixou, saiu de casa. – Suspirei realmente frustrada.

       – E por quê?

       – Porque ele voltou para a mulher. –Oh não!, minha mãe não dava sorte com homens, esse até que era uma boa pessoa e ajudava muito em casa, o que me aliviava um pouco, agora tudo se complicaria para mim outra vez. Eu tinha quatro irmãos: Andreza e Charles, gêmeos de nove anos, Alexsandra de treze e Davi de dezesseis. Tínhamos pais diferentes. Minha mãe não durava em emprego algum, ela não sabia fazer nada. Eu não a culpava, ela não tinha tido a oportunidade de estudar. Nós sempre tínhamos vivido as custas dos companheiros dela, alguns casados. Mas de uns anos para cá, desde que fiz dezoito anos, vinha sustentando minha família praticamente sozinha. Eu os amava, mas era tão pesado para mim. Eu não tinha dinheiro para nada e nem tempo. Trabalhei numa lavanderia aqui do bairro, mas quando Pedro surgiu na vida da minha mãe há alguns meses, ele tinha me conseguido um emprego num bar muito chique onde trabalhava como segurança. Tudo ficou mais fácil na minha vida quando ele surgiu, o emprego pagava muito melhor que o anterior e eu ia e vinha com ele de moto, além de que ele ajudava nas despesas.

       Me sentindo desolada peguei na minha bolsa e fui para o quarto estudar, ou pelo menos tentar. À noite iria de táxi já que não podia mais contar com Pedro. Sorte que havia uma praça de táxi próximo de casa. Depois decidiria como iria trabalhar nos próximos dias, provavelmente de ônibus. O que eu queria fazer era beber como minha mãe, mas não podia me dar a esse luxo. Tinha que aproveitar a tarde para dormir e estudar, porque antes do anoitecer tinha que estar no bar recepcionando.

       Acabei pegando no sono depois de alguns cálculos e acordei bem em cima da hora de ir trabalhar. Corri para um banho rápido. Passei a pouca maquiagem que tinha: um batom vermelho, máscara de cílios e corretivo. Vesti o uniforme, que consistia numa saia lápis preta, uma camisa branca, blazer e scarpins. Mamãe entrou no quarto quando eu reunia os últimos objetos para sair.

       – Filha, você pode falar com Pedro...?

       – Mãe, não se humilhe dessa forma, você sabe que ele sempre amou a esposa, só queria uma oportunidade e correria, como fez.

       – Sim, como um cachorrinho.

       – Tudo vai ficar bem. – Eu sempre dizia isso, mas no fundo nem eu mesma acreditava. Era tudo tão difícil desde sempre para mim, para todos nós. Nunca tinha conhecido meu pai, os pais dos meus irmãos não tinham ficado tempo suficiente para termos uma figura paterna.

       – Filha... passe a dar mais... atenção para aquele homem elegante que vem aqui de vez em quando.

       – Mãe!

       – Querida, eu sei, eu sei que ele é casado, mas é doido por você. E você sabe a situação em que vamos ficar.Já não estava perfeito, mas agora...

       – Eu sei. – Ia faltar comida, produtos de higiene... Não que fossemos passar fome, mas comer apenas a "ração" era desanimador. O dinheiro não dava para tudo. Ter que pagar aluguel, comida, compras, água, luz, TV a cabo, e quatro crianças na escola precisando de muitas coisas. Eu simplesmente não tinha vida.

       Henrique era um homem que eu tinha conhecido no bar, ele era como um Deus; sua educação, o perfume que exalava, suas roupas, pele, cabelo, olhos... Era como um sonho inalcançável, só que ele me dava bola, deixou bem claro com sua atenção nada sutil que me queria. Ele era inteligente, era fácil conversar com ele; divertido, gentil, daqueles que abria a porta do carro, puxava a cadeira, parava e estendia a mão para que eu andasse à frente, não levantava a voz. Um cavalheiro como não existia mais. E era podre de rico. Andava com motorista num carro que compraria minha liberdade. Seu único defeito se situava no dedo esquerdo e era bem reluzente.

       Uma vez Pedro não pôde ir trabalhar e ele se ofereceu para me trazer em casa, eu aceitei e desde então ele vinha me visitar. Mamãe só faltava lamber seus sapatos, eu desconfiava que ele lhe dava dinheiro, pois sempre que ele saía, ela aparecia milagrosamente com compras, o que me deixava mortificada, mas ele via nossa situação e com certeza não era homem de ignorar, então a oferecia, e ela como oportunista que era não se envergonhava de aceitar. Ele também ganhou a simpatia dos meus irmãos, principalmente quando os tinha enchido de ovos gigantescos na páscoa. Eu realmente lhe agradecia por isso, pois antes dele meus irmãos nunca tinham experimentado um ovo de páscoa, nem eu. Ele adorava crianças, era isso que disse e se podia notar. Também falava em seu filho com muito orgulho, um garoto de dez anos que se chamava Mateu.

       – Então?

       – Você quer que eu me prostitua para ele, mãe?

       – Essa palavra é muito pesada, Aurora.

       – Não mãe, pesado é você esperar isso de mim.

       – Mas filha, ele é muito agradável, qualquer mulher se sentiria honrada de ter um homem daqueles lhe querendo.

       – Eu ficaria se ele fosse solteiro. Ele tem uma família.

       – E você também, então pense nela. Você só está pensando em seus sonhos românticos: casar de véu e grinalda, uma família perfeita, enquanto tudo que seus irmãos sonham é em ter um sapato novo.

       – Você não tem o direito de falar assim comigo! Eu tenho sacrificado tudo por essa família!

       – Tudo não. Você ainda pode fazer mais. Era isso que eu faria se tivesse sua idade e seu corpo.

       – E por isso eu e meus irmãos não temos um pai!

❤️

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⏰ Last updated: Apr 21, 2022 ⏰

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Doce, amargo e proibido [AMOSTRA]Where stories live. Discover now